Procuras ou és o Nirvana?


Sinto-me no limbo da luta entre realidade e espiritualidade. E em todas essas lutas constantes levanta-se a premissa de que a realidade que vivemos não pode ser apenas isto. Não se trata de insatisfação, religião ou demasiados sonhos na minha mente, trata-se de uma continuidade de alma que está sedenta de algo mais substancial. Sinto essa avidez em cada passo que dou. Sinto que esta não deveria ser a única realidade com a qual me deveria emparelhar. O ser humano é demasiado complexo para estar sincronizado apenas com um dos paralelismos da vida. Sim, acredito em anjos, em discos voadores, em espíritos e mensagens espirituais. Acredito que são pequenos laivos não de uma religião desenhada pelo Homem mas de outros quadrantes que realmente existem e que ninguém me forçou a que eu acreditasse que existem. Vejo a sociedade como uma gigante marioneta que entretém mentes encriptadas. Penso em como se arquitetaram conceitos de auge de felicidade fictícios, só para que tenhamos um isco para morder, como se a vida humana fosse apenas um rasto daquilo que efetivamente deveríamos ser. Será o nirvana pura fantasia? Eu defendo que acreditar em estados emocionais, que não são mais do que papéis de encenação inconscientes, é o mesmo que admitir que as estrelas são luzes projetadas no céu, que o contexto de vida é todo um cenário montado. Fará sentido viver a acreditar em algo que nunca se atinge? Ou o sentido da vida reside no inatingível? Se assim for é extremamente contraditório porque se lutamos uma vida inteira por uma máxima inatingível é porque a queremos atingir e querer já é assumir, em parte, que é possível atingi-la, quando na verdade sabemos que é impossível que alguma vez aconteça. A questão é que ninguém se debate sobre o inatingível, como se essa linha de pensamento fosse como um quarto escuro na nossa mente que está trancado desde sempre. Creio que vivemos entretidos nesse papel, sem que a sociedade intervenha e nutra a espiritualidade de cada um. Ao invés disso, rouba-nos as sensações imateriais com as horas de trabalho cegamente impostas. E mesmo a igreja, a única entidade que poderia explorar isso e salvar o mundo, também se rendeu ao dinheiro. Creio que seja cruel assumir que todas as lutas interiores tenham sido em prol de metas outrora desenhadas para todos nós. Como se o verbo ser e sentir existissem em vão. Como se a identidade fosse, afinal, reduzida a uma areia num deserto. A própria morte é algo tão religioso como científico, mas não deixa de ser uma crença. Acreditamos que vamos morrer porque já vimos outros morrer. Então se a sociedade vive de crenças, porque não acreditar na eternidade? Acreditar que, após a morte, a vida simplesmente continua. Custa-me acreditar nessa programação quando tudo em mim segue algo mais profundo do que o nirvana ou acredita que o nirvana somos todos nós e não um conceito que temos de atingir. A vida não deveria ser feita de troféus, mas de inteira descoberta interior. Um caminho multilateral, nómada e inteiramente dependente da individualidade de cada um. Identidade seria exatamente isso: a consciência do teu eu, a procura do teu rumo e nunca a nossa descaracterização com vista a encaixar em padrões de felicidade que seguem receitas viciadas e pré-históricas. Julgamos que é tarde para casar ou tarde para viajar porque temos em conta a possível fase da nossa morte. Estamos a projetar sonhos em função de uma data que ainda não ocorreu. Então se acreditarmos que seremos eternos, deixaremos de achar que é tarde de mais? Porque não inverter as crenças pré-estabelecidas em nosso favor? Porque não adotar um pouco desta espiritualidade para viver em paz e com menos pressão? Convido-vos a não procurarem o Nirvana, mas a serem o Nirvana. 

Comentários

Zaask

Escritora e Fotógrafa