Estatuto emocional


Hoje o calor do café falou-me sobre o aconchego do inverno, sobre o conforto do toque quente nas mãos, sobre o fumegar dos meus pensamentos e do meu passado. Talvez uma forma dos astros me falarem sobre amor. Mais uma vez. Mas desta vez o amor por mim própria.
Sinto que vivo num estatuto emocional que me faz criar os maiores sonhos mas também sofrer por ficar à mercê deles. Tal como qualquer estatuto, é algo que foi alcançado, cuidado e protegido, porque todos nascem a dar passos de ambição, a seguir trilhos profissionais, mas poucos são os que sonham realmente. Desde cedo que me assumi com um estatuto sonhador, com uma gigante avidez de sintonia humana, de compreensão carnal, de compatibilidade intelectual. Habituei-me a criar e a consumir sonhos que exigiam mais do que um protagonista o que, inevitavelmente, reduzia o meu poder de controlo da vida. Mas desta vez sentia-me diferente. Sentia-me capaz de alcançar esses sonhos. Senti em mim a libertação que precisava. Percebi que os meus sonhos são, por vezes, grandes de mais para os outros e que vidas redutoras não estarão nunca capacitadas para sonhar além fronteiras.
Fui ao teu encontro não porque tu merecias, mas porque a nossa história gritava por algum respeito, porque terias de te relembrar que fizeste parte dela, e porque eu merecia ser eu mesma e resolver o meu coração. Cansei-me de achar que o meu caráter é excessivo, cansei-me do "não faças", do "contém a tua dor", do "não sejas tu mesma". O meu sentimento não é excessivo, são apenas os moldes da minha forma de sentir que não me permitem dosear aquilo que a sociedade tanto quer falsificar em todos nós. Quero dar continuidade àquilo que sou, à minha natureza. Nada na vida que valha a pena é indolor. Encerrar capítulos nunca foi indolor, mas tem tanto de amargo como de redentor. Não me peçam para amar se logo a seguir me fazem sentir fraca. Não exijam vulnerabilidade numa sociedade que cospe corações de ferro. Entre amor e fortaleza nunca existiu sintonia. E se a minha única doença for a do amor, então estarei curada para sempre. Não me vou calar enquanto tudo em mim transbordar. Eu não sou geneticamente egoísta, não fui programada para só pensar em mim e no meu mundo. Ir em direção a ti mais uma vez não foi burrice, foi humildade. E é bonito ter esta ousadia de ir atrás uma última vez. Posso desprezar por achar que não vais valorizar, mas o valor que dás ou deixas de dar não retira o valor intrínseco da minha coragem. E sabes, não saí deste duelo a querer voltar a ti, saí convicta do caminho de volta a mim mesma. Foi libertador assistir à tua frieza, que era tudo aquilo que eu não queria ver em ti. Se antes queria ser relembrada, hoje espero que te esqueças de mim, espero ser a tua amnésia nos dias em que mais precisares de alguém como eu e sentires a amargura de não seres compreendido. Não mereço fazer parte do teu livro de histórias fugazes quando tudo em mim é belo e inesgotável. Hoje percebo que nunca te habituaram a lidar com sentimentos. Esperavas um corpo e recebeste um universo inteiro. Não esperavas, eu sei. Dificilmente saberias lidar com uma imensidão estando tu programado a contextos rasos e finitos. A incapacidade foi tua, sempre tua. Eu estava capacitada para amar, tu estavas capacitado para colecionar troféus. Espero que nem sequer voltes atrás para eu não achar que o teu regresso foi por conveniência. Nunca mais acreditarei nas tuas palavras e muito menos no teu silêncio. Não voltarei a construir castelos em cima de água e que depois se afundam no anonimato das tuas profundezas em estado de anestesia. Lembra-te que não sou eu que dou dimensão às minhas emoções, são elas que me dão dimensão a mim mesma. Sou feita de outra substância que não a tua.
Hoje sinto-me livre. Fui a pomba branca fechada numa gaiola aberta mas hoje sou a fraqueza dessa gaiola e a libertação das minhas asas. Hoje sei que o meu caminho deixou de procurar falsos atalhos à minha individualidade. As minhas lágrimas secaram, deixei de ter palavras para ti. Se antes a minha presença constante te assustava, um dia perceberás que é ainda mais assustadora a minha ausência, porque quando ela existe não é por orgulho, é por superação.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa