Terra Prometida

Pisei uma nova terra à luz de um novo rio, com um sonho por atracar. A esse sonho intitulei de terra prometida. O comboio veio marcar a partida para uns e a chegada para outros. A despedida foi dura. E longa porque sinto que ainda hoje está por concluir. Nunca se despede daquilo que se ama. Enquanto não se descobrir novas formas de amar, o amor pertencerá sempre ao passado. Foi daquelas despedidas que me fez abrir novamente as portas do comboio para que a presença durasse mais uns segundos, aqueles segundos em que o mundo ainda faz sentido. E de repente tudo aquilo a que chamas de teu fica para trás num estalar de dedos. Gera-se um grito mudo dentro de ti. A emoção transforma-se numa pausa da respiração e aquilo que ouves é como um eco de um búzio, onde o mar de gente da estação se converte num silêncio ensurdecedor. Como se aquela neblina fusca e pouco audível ao meu redor falasse sobre o quanto o resto do mundo é secundário no percurso dos meus sonhos. É aí que pensas: agora sou apenas eu. Levava dinheiro e coragem, não apenas uma máquina fotográfica. Foi aí que percebi que já não era apenas uma turista. Os passos ganham um significado tremendo, como se agora qualquer ação que tomasse fizesse tremer o mundo. Noto que esta é uma cidade de azáfama, que vive sem fôlego para que se concretizem tantos sonhos em paralelo, vejo multidões de cabeças formatadas para a sua própria rotina, uma cidade em que quem não tem conta numa rede social é um total desconhecido, uma cidade com foco nos semáforos ou no som do telemóvel, tão ligados aos estímulos exteriores e tão pouco aos interiores. Uma cidade em que os cães são mais bonitos que os donos, em que as esplanadas são dicionários de idiomas, em que o estatuto social se reflete nos transportes que usam ou no restaurante que frequentam, em que o declive das ruas rima com o decair da identidade. Há novidade em cada esquina, inovação em cada plateia, frenesim em cada passadeira. Vou passear a uma praça, arrumo o telemóvel, ouço os passarinhos, vejo as cores das flores, mas o verbo sentir fica por aí, não passa disso. Quando muito acontece ao nosso redor, pouco resta para que se sinta. Não há espaço para emoções num mundo em que todos já acordam atrasados para algo, quando na verdade todos estamos atrasados no compromisso de sermos nós mesmos. Ainda não aprendi este novo conceito de sentir as coisas porque na verdade ainda não existe a sensação de estar em casa. É frustrante. Algum dia aprenderei? Será possível ver a nitidez de uma paisagem se o comboio andar à velocidade da luz? Poderás ver sombras e silhuetas, mas escapar-te-à o essencial da vida: os detalhes e a simplicidade. Sei que preciso primeiro de exteriorizar aquilo que sou para que o ambiente absorva um pouco daquilo que eu trago de novo aqui e a minha essência possa finalmente abraçar o ritmo da cidade. E para exteriorizar preciso de ser eu, criar a minha realidade cultural, o meu casulo artístico e a minha audiência interior de sensibilidade. Quando o faço através da escrita, sinto que a lucidez regressa e as cores da cidade fazem-me lembrar daquilo que sou e que a luz do dia rima com a minha presença na calçada. Um dia serei uma dessas flores que embeleza os jardins da cidade ou todo o jardim que quebra esse semblante monótono em tons de cinzento. Depois enfrento a porta de casa e olho-a com amizade e valentia. E em cada noite brotam memórias cúmplices, ora uma nostalgia amarga, ora uma saudade doce. Penso em ti, avó, tu que estás sempre aí. Penso em como há tanto de ti neste quarto, a colcha que me aconchega os sonhos, o pijama que me abraça e o meu coração, sempre teu. És das energias mais fortes a mover estes moinhos e sei que irão girar rumo aos meus sonhos que serão também os teus, eternamente teus. A terra prometida serás sempre tu, só tu, mas antes vive comigo este sonho. Só mais um bocadinho porque a vida são dois dias e ao fim do primeiro dia já teremos de ter alguns sonhos cumpridos. Adoro-te e sabes que esta nova etapa se deve a ti. Deste-me cada pedacinho de asa em cada abraço que demos e, agora, estou a aprender a voar.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa