Amor em noites de solidão

O amor é a simbiose entre a noite e a saudade. O vínculo entre o desespero e a solidão de não nos bastarmos. Sinto-me sozinha e perdida nesta noite e rodeada por estes objetos que não pediram para viver e possuíram mais a eternidade do que tu. Recordo aquele abraço em que a fricção do meu cabelo no teu grita por mais um segundo. Contigo os abraços não duraram os clássicos 7 segundos, duraram uma vida inteira porque ainda hoje os sinto. Amar não deveria doer mas precisas de sentir dor para perceber que é amor. Ninguém nunca conseguirá amar de forma indolor e enquanto não sentes dor não sabes sequer se amas. Transbordo a saudade do toque, o cheiro da roupa, a humidade do canto dos olhos, a maciez da pele, o conforto do abraço a que chamo de casa. Transbordo de ti. Mas respiro saudade porque ela me trás a aparição de quem amo. Respiro saudade porque ela é o meu espetro sentimental. Respiro saudade porque ela é um suave aperto de mão ao passado e um beijo diretamente nessa face redonda e perfeita. A saudade trás na sua raíz a saudação, o cumprimento à pessoa que amamos. Saudar talvez seja sentir a pessoa em nós. Mas essa é a saudade boa e justa. É a saudade de alguém que partiu mais cedo sem a opção de ficar. Depois há aqueles com a opção de ficar mas ainda assim decidem partir. Essa é a saudade má e injusta para quem ama. Vai embora quem é livre e feliz no seu desapego e ficam os mártires das emoções. Ficamos no porto dos nossos sonhos, naquela ilha deserta que tanto quer florescer, esperando ver atracar quem cortou as cordas do barco com facas afiadas. Ficamos algemados a nós mesmos. Tornamo-nos na prisão do nosso ser. Mas um dia desacorrentamo-nos, não tanto por força interior mas pela força do tempo e, principalmente, por cansaço. Cansamo-nos da dor das algemas e as algemas cansam-se da nossa fraqueza. Cansamo-nos de esperar por algo que nunca virá e a isso se chama de desistir. Não fui eu a deixar de acreditar no amor, foram as pessoas que conheci que nunca acreditaram que amar fosse possível. Não sou eu que sou cética, o problema foi ter-me sempre cruzado com céticos. Ninguém acredita na sua força interior, ninguém acredita que poderá vir a ser conquistado, ninguém saboreia a simplicidade das pequenas etapas. As pessoas procuram produtos acabados e não almas por construir. E daí não poderá surgir nada que seja sinónimo de puro e verdadeiro. Por isso fiquemo-nos por esta noite, fiquemos somente com a sua magia e não a sua dor. Olhemos para a escuridão sem pensar em mais nada. Sejamos fiéis à objetividade das constelações, sejamos espectadores deste eufemismo que é o céu e a terra, sejamos aprendizes pouco curiosos ao olhar para o infinito e conseguir não pensar em nada, sejamos apenas crianças mudas ou um ser qualquer numa hipnose de sentidos. Impossível. É difícil não se ser um sonhador. É difícil fingir que a vida não nos toca, quando na verdade revolve cada poro do nosso exterior e cada eco do interior. É difícil ignorar o balancear que vai do passado ao futuro porque isso alimenta a afirmação do presente. Não somos nós que possuímos o sonho, é o sonho que nos possui. Não somos nós que sonhamos porque sonhar é só a vontade do sonho em se querer humanizar.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa