Não existe

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Gosto quando as plantas selvagens provam da sua própria liberdade e dançam ao sabor do vento, beijando-se suavemente, recortando o céu laranja do pôr do sol, como se existisse uma mensagem a ser transmitida e as fizesse falar entre elas. É bonita a forma como essa melodia dançante nos amplia a simplicidade, nos faz respirar com um ímpeto mais calmo e transparente, como nos torna tão pequeninos ao lado daquela imensidão de vales de caules melodiosos e silenciosos. Esse silêncio que é gerador de grandeza natural e pequenez humana. E na verdade somos realmente pequeninos. As plantas unem-se em redor do seu aroma, refrescam-se umas às outras, revelam os seus segredos, deixam-se ser livres. E nós, humanos, com o gigante problema de explicar as coisas, exteriorizar sentimentos e ler as pessoas. Vivemos debaixo de tetos de frases feitas que se refutam umas às outras e que, por sua vez, refutam a nossa identidade. Precisamos desse vento singelo e oco que nos mostre o paraíso e as trevas, porque é isso que é a realidade, e que nos ensine a partilhar um pouco do nosso pólen, a nossa essência. Afinal, mesmo as plantas espontâneas e insignificantes têm uma palavra a dar ao mundo, desde que não falte o cruzar das periferias das suas folhas. Somos o resultado de um mero compasso ritmado por onde fluem sonhos e conquistas, onde tomamos como trivial a nossa vida na terra. Queremos ser perfeitos e idolatrados, queremos aceitação social e admiração, e o espaço que sobra para a nossa essência é ínfimo e decrescente com o tempo. É incrível como os detalhes rugosos dos troncos mais ásperos não seguem esquadrias e simetrias, regem-se pela natureza da criação e é isso que os torna belos, enquanto nós procuramos contornar a criação e domar a inteligência que o próprio universo nos ofereceu, moldar e afinar cada aresta com a forma do nosso egoísmo. A capacidade que tem o vento de nos potenciar o olhar e de nos elevar a sensatez faz brotar em nós gestos mais puros e humanos. Os gestos são intemporais, a forma segura com que se abraça o mundo é intemporal, o amor verdadeiro é intemporal. Talvez seja a componente intemporal de cada sentimento que faz com que ele persista no tempo. Ser temporal é ser tempestivo, questionável, fugaz, é ser esfumado com o passar dos anos. E é aquela pequena porção intemporal, com jeito de pilar forte e seguro, a porção mágica e inexplicável a que damos o nome de amor, que persiste no tempo, que nos leva a ser crianças por momentos e a acreditar que podemos ser mortais mas com sentimentos imortais. Talvez sejam os atos mais básicos e banais que unifiquem as pessoas e que estejam a fazer falta neste mundo perverso. Não há toques suaves entre mãos, como aquelas plantas que apesar de selvagens contemplam uma loucura saudável e inocente. Não há silhuetas ao pôr do sol, como aqueles recortes que os prados constroem fielmente todos os dias. Não há aquela empatia secreta revelada na mensagem levada pelos campos, de pétala em pétala. Não existe a promessa de se ser feliz, existe a obrigação em não se estar sozinho. Não existe o amor como dádiva, existe uma espécie de sequestro em nome das aparências. Não existe o beijo tímido, o passeio à chuva ou a canção que se improvisou, não existe a carta de amor, o poema que nos ocupou a madrugada ou a pedra a bater na janela, não existem os planos que nos tiram o sono, o pedido de joelhos ou o olhar emocionado, não existe o conselho sincero, a oração de esperança ou o lenço de mão que não foi pedido, não existe o abraço reconfortante, a mão que não nos larga ou o orgulho de se ter alguém. Não existe o ciúme verdadeiro, sem que traga consigo o sentimento de posse. Não existe o objetivo de assentar um sentimento e de alimentar a ideia que se quer alguém para a vida toda. A efemeridade domina o mundo e cada vez mais somos como aquele pôr do sol com diversos começos e fins, com um breve intervalo de tempo e com a previsibilidade daqueles tons laranja em dias de verão.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa