Como as redes sociais matam o tempo e as relações

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Sabes aquela pessoa que está sentada num banco de jardim sozinha a olhar em vão? Sabes aquela pessoa desastrada que vai de encontro a ti e os vossos olhares se cruzam? Sabes aquela pessoa que está há horas a olhar para ti na esplanada e que pede ao empregado para te deixar uma rosa? Sabes aquela pessoa que te fotografa em segredo e depois te oferece a foto com o número de telemóvel por trás? Sabes aquela pessoa que te agarra com força quando um carro se aproxima? Esquece, isso não vai acontecer. A probabilidade de assistires a isso é igual à de um meteorito cair em cima da tua cabeça amanhã ou de ganhares o euromilhões. Eu diria melhor, é a mesma probabilidade de tu amanhã ressuscitares. Atualmente não há propriamente contos de fadas com o romantismo e a durabilidade que se idolatram na história da branca de neve. Talvez neste momento a maçã envenenada sejam as próprias pessoas. O mundo está bem oposto a essas histórias de infância! Há falta de tempo, falta de vontade em abdicar desse tempo e o entregar a outrem e, ainda, falta de noção do que é realmente viver e sentir o tempo. Eu passo a explicar. Há falta de tempo porque damos prioridade no nosso dia a dia a mandar mensagens e a ver se temos notificações, o que nos faz deixar a pontualidade de lado, há falta de tempo porque os snaps ganham mais importância do que uma boa conversa, há falta de tempo porque nós invertemos as prioridades e passámos a ver a nossa refeição em família ou o nosso trabalho como uma necessidade chata a que nos curvamos com frete, ao passo que as redes sociais tomam todo o destaque possível. É verdade que os horários de trabalho rígidos e as imposições constantes da sociedade nos tiram grande parte do tempo, mas porquê que o pouco tempo que temos todos os dias ao fim do dia são tão desperdiçados? Porque não tornar esse tempo numa minoria saudável? E depois partilhamos frases a dizer que a vida são dois dias e que temos de aproveitar os pequenos momentos, quando realmente não o fazemos porque o que estamos a fazer naquele momento é a partilhar a ideia e não a concretização. Depois temos a falta de vontade em abdicar desse tempo e o entregar a outrem. Novamente as redes sociais são fortemente culpadas. Tudo porque vivemos num mundo que aparenta dependência do próximo e expectativa na ideia que os outros têm de nós, mas no fundo somos exatamente o contrário: seres cada vez mais individualizados, egocêntricos e que se impedem de partilhar o seu verdadeiro tempo, aquele que se traduz por um sorriso ou um nervosismo por entre os dedos, um olhar sincero ou um abraço apertado, até mesmo por um café entornado porque é sinal que o momento existe e que o calor do café nas tuas calças não é algo virtual. Já ninguém aposta em likes reais, em gerar uma boa conversa pessoalmente, sem ser atrás de um computador com uma foto de perfil que em nada condiz com a sua cara ao acordar. Uma selfie ao espelho, por exemplo, traduz vaidade e vontade de elevar a auto-estima, e é nesta ironia e controvérsia que muitos vivem, neste compasso entre um extremo amor próprio e um uma extrema fragilidade, na medida em que essa auto-estima só vai ser afirmada consoante a aprovação dos outros. E como pode alguém viver nesta instabilidade e à mercê da opinião alheia e ainda assim conseguir reduzir o seu leque da plateia para apenas uma pessoa, aquela que supostamente amam? É esta redução da plateia que não deixa sequer que muitas relações comecem verdadeiramente. Há constantemente uma procura pela aprovação e pelos aplausos. Preferimos apegar-nos ao desconhecido do que a uma pessoa que poderíamos conhecer extremamente bem. Imaginamos a possibilidade de entrar na vida de um qualquer novo perfil de amizade e esquecemo-nos muitas vezes de quem temos ao nosso lado incondicionalmente e quem já do seu tempo abdicou e as portas da sua vida abriu para nós. A verdade é que as redes sociais geram um casulo em torno das pessoas, um casulo permeável à virtualidade mas impermeável à realidade. O mundo palpável e a oportunidade de lutar por alguém está a ser substituído pela facilidade com que se encontram pessoas pelas redes sociais. E o pior é que as pessoas não reconhecem sequer a importância em oferecerem o seu tempo em prol de uma relação saudável. O tempo está, na verdade, reduzido aos minutos em que estamos online. Conhecer uma pessoa é meramente adicionar mais um amigo à lista. E depois temos a questão do não sabermos realmente viver e sentir o tempo, tudo porque já não sabemos o que é estar no topo de uma montanha sem que levemos uma tecnologia atrás, já não sabemos o que é sentir o salpicar de uma cascata sem que tenhamos a preocupação constante de limpar a lente do telemóvel, não sabemos o que é respirar ar puro, fazer boas ações, rodearmo-nos de natureza e de animais, propôr um jantar em família, pegar no carro e viajar sem destino... Há falta da verdadeira liberdade num mundo em que todos se acham extremamente livres. Acham-se livres por escolherem os seus horários mas reduzem-se à área de uma cadeira enquanto navegam pelo telemóvel, acham-se livres por terem os bares todos à disposição mas no fundo acabam sempre a noite encostados a uma rua banal, acham-se livres por fumarem vezes sem conta mas quando o dinheiro acaba a liberdade também acaba, acham-se livres por seduzirem alguém que escolheram mas no momento em que começa a inteligência da outra pessoa é o momento em que acabará a sua liberdade. Já não há quem cometa riscos. E cometer um risco não é ser sedutor pela milésima vez para a primeira pessoa bonita que vemos, porque isso é jogar pelo seguro, porque o seguro é o banal, é o esperado, para mim a exceção está em ser-se honesto, o risco está em mostrar o seu verdadeiro conteúdo sem mostrar fragilidade, sem vestir a capa de tranquilidade e simpatia que lhe é conseguida por alguns decilitros de álcool, isso seria o verdadeiro desafio para muitas pessoas. Se todos vivêssemos com a maior paz e tranquilidade possível saberíamos dar valor aos passos que damos na rua e percebíamos como seria importante partilhar com outra pessoa aquilo que de mais especial lhe poderíamos oferecer: o nosso valioso tempo. O problema é mesmo esse, o tempo não está a ser valorizado, cuidado e por isso não é tido como valioso e, portanto, não está a ser oferecido como algo prioritário. Um dos principais problemas está, também, na expectativa. Ela está enraizada ao ser humano, porque ter expectativa é ponderar sobre algo, é simplesmente pensar e, por isso mesmo, se torna tão inevitável. Gerar expectativas é automaticamente criar um cupido e enquanto alguns são peritos em criar cupidos outros são peritos em destrui-los ou então aproveitar-se inicialmente deles para depois abandonar essa ideia. A expectativa também é alimentada pelas redes sociais. A constante espera de uma mensagem, de uma troca de likes, de uma publicação, torna o processo de conhecer alguém em algo muito pouco saudável, porque o feedback que esperamos de um perfil de uma rede social torna-nos por si só possessivos e onde existe muita expectativa também existe muita ilusão e ambiguidade, que são facilmente decepcionáveis quando nos deparamos com uma atitude real, fora do quadrante virtual. Já para não falar que a espera constante por um sinal de luz no telemóvel é um objetivo de vida totalmente questionável e que nos anula bastante em termos de personalidade. A verdade é que, antes, onde existia uma bonita e inesperada coincidência em encontrar alguém que gostamos na rua, hoje passamos horas a decidir se enviamos mensagem onde tudo se resume a uma batalha entre orgulhos. Outro real problema de grande parte das pessoas é o de acharem que são elas próprias que têm de conquistar a outra pessoa pela sua beleza, investindo ao máximo nessa vertente. Estão demasiado preocupadas em mostrar o que valem como se fossem uma montra, mas a melhor montra vence pela sua simplicidade porque quando se descobre mais do que essa montra, é quando percebemos que o que estava visível era apenas uma pequena parte e que a maior beleza não está na roupa ou no batom, mas no interior. Inconscientemente essa ideia de beleza pré-concebida, esse retrato concreto e estereotipado que queremos transmitir e que sabemos que será o nosso passaporte para a popularidade é, também, influenciada pelas redes sociais, na forma como criamos um sucesso em torno dos mais favorecidos esteticamente, no destaque que assume a expressão facial e a roupa, no próprio significado que se gera à volta do conceito de popularidade e na penumbra de todas as pessoas que aqui não se incluem. E damos por nós a servir a sociedade e não propriamente a pessoa que gostamos. Infelizmente são as redes sociais o grande impacto das relações de hoje em dia. Muitos se espera dos outros, mas pouco se concretiza. Geram-se histórias com muito enredo, mas pouco significado, muito amor próprio e pouco amor para dar. O importante é perceber que uma pessoa verdadeiramente merecedora do nosso tempo é aquela que também entrega o seu verdadeiro tempo, que acrescenta esse tempo ao nosso e torna ambos os trajetos de vida mais valiosos.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa