Voltar a ser criança



O dever de uma criança passa por respirar euforicamente, viver a vida intensamente e saber que tal é feito pela força intrínseca e inexplicável a residir dentro de nós. Eu era uma simples criança com a sensação de dever cumprido. Sempre estive no caminho certo, que era o caminho que me exigia força e ritmo de vida, um caminho que me levava ao limite! O limite da felicidade. Da ambição. Do sonho. É isso que torna uma criança tão especial, porque cada uma contempla em si a magia da resolução de todos os problemas que todo o mundo insiste em resolver e não consegue. A alma de criança é a cura que todos ansiamos. A vida tinha um sentido imenso, porque eu fazia dela a palma da minha mão. Cada traço bem delineado nas minhas convicções era mais um rasgo fundo a ser desenhado nas minhas mãos. Pulava com a força dos meus sonhos e sentia as nuvens a encher-me o peito. Não pela atmosfera repleta de gases, que mal eu imaginava existir, mas pela inexperiência de conduzir os meus próprios sonhos. Por me sentir sôfrega por possuir o mundo dentro de mim. Franzina e com asas nos pés, era assim que me definia. Mal eu esperava que a vida me iria trazer tantas quedas, tantas mágoas não correspondidas, tantos pedidos de ajuda que se resumiam ao meu eco ao fundo de uma igreja, tantos psicólogos dentro de mim sem saber o que dizer, tanta dor que chegara às minhas portas e que certamente se enganara na morada. Mas o meu instinto foi voltar a ser criança. Voltar a amar-me. Voltar a assumir as rédeas de tudo aquilo que poderia gerar a minha felicidade, de tudo aquilo que dependia de mim. Foi então que retomei a minha caminhada e provei da minha própria força. Virei-me para a beleza da vida e foi aí que percebi que a alma de criança perdura sempre. Que a minha caminhada deixou de ser um antro de resistência ou um objetivo de reabilitação. A autenticidade das flores dos canteiros, os seus aromas genuínos, os raios de sol virgens a domar o meu sorriso ao acordar, o chilrear dos primeiros aventureiros do dia a espreitar pela fresta de sol, a brisa com textura de penas a lavar-me a cara, o sabor flutuante do almoço na panela a invadir a minha almofada... Tudo me dizia que eu era alguém especial. Que algo esperava por mim. Que a aventura estava à minha espera na próxima esquina e que a alegria estava à distância dos meus braços. Deixei de ser aquela pessoa que vê a sua fragilidade como algo que pode ser elogiado pelos outros, porque a fragilidade deixou de existir ou porque simplesmente deixei de viver de elogios. É a minha auto-estima que devo cultivar, a minha confiança que me deve dar ímpeto, é a luta pelos meus objetivos que deve dar sentido à minha vida. E a minha vida passou a ter sentido. Eu dei-lhe o meu próprio sentido. E se me perguntam, "estás sozinha?", eu respondo "não, tenho a minha dignidade sempre comigo".

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Zaask

Escritora e Fotógrafa