7 VIDAS

Quero chorar, mas antes deixa-me adormecer. Deixa-me primeiro acreditar no sonho de sermos só nós, sem o resto do mundo. Deixa-me mergulhar na parte da música que não desafinou. Naquele emaranhado de dúvidas que nos segurou. Porque ainda hoje aqui estamos. Foste como hastear uma bandeira num barco que se despedaçou. Hoje ainda somos destroços que querem fazer história. Ainda ansiamos a próxima tempestade como se as nossas asas só soubessem nascer no desmoronar. Conhecer-te foi como finalmente poder pousar as armas da guerra e não precisar mais de lutar para ter um propósito. Foi como gritar num pós guerra ainda cheio de pó: "acabou!". Sinto que finalmente ouço o mundo e vejo as suas cores, sinto as ruas da cidade nos meus pés como nunca senti, sinto que este emaranhado de casas canta para nós enquanto passamos, que este labirinto de telhados nos ensinou a viver de olhos postos no céu. Sinto a dicotomia de uma fuga que se entranha, de uma forma de viver estupidamente aberta mas declaradamente só nossa. Nós somos o fogo que acende as luzes dos cadeeiros da cidade. Somos a leveza com que o mar abraça a areia. Somos a doçura de ser luz na rua mais escura. Nós somos o sonho terrestre do sol e da lua. Somos um amanhecer fragmentado e carnal mas sempre conseguimos ser um anoitecer mais lutador e corajoso. Somos a silhueta perfeita por entre o recorte da noite na cidade. O calor da tua pele enquanto repousas em mim é feito do bater de asas de todas as borboletas do mundo e do sossego das florestas órfãs onde só se ouve o bater do coração. Esse compasso de tempo é silêncio dormente de magia cintilante. A tua delicadeza é um retiro para os meus sentidos. O tocar de mãos é o mais transcendente que vivi e que até hoje não perdeu nenhuma parte da sua plenitude. Entre os nossos poros há uma sensação virtuosa chamada casa. 
Tu viajas do lado de dentro do meu barco. És parte da minha viagem porque assim o queres e não porque te pedi. Não precisaste de ver o meu lado idiota a rastejar como só um não amado consegue fazer. Contigo conquistei a convicção de que não sou feita de rastejos porque nenhum dos meus sonhos é raso e não há nada na minha alegria de viver que denuncie um peditório de validações. Não és apenas um viajante curioso. És parte integrante. És a minha serenidade, o meu mar calmo. Não és o meu naufrágio, és quem constrói a minha jangada e me faz sentir que contigo é esse o meu castelo. És a ternura nos dias em que o mundo me assusta e o ímpeto corajoso para perseguir os meus sonhos, para me conquistar a mim mesma. Sei exatamente porque te quero porque antes apenas queria querer. Querer era uma vaidade, um capricho, era como sabotar a beleza da vida, enquanto o querer-te é uma arte com fundamento. Antes queria, hoje quero-te. 
Quero chorar de alegria, mas antes deixa-me acordar. 
Poderiam ser cem as vidas que nos separam mas continuaria a ser esta a vida que nos quis encontrar. 

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Zaask

Escritora e Fotógrafa