Meus olhos verdes

É de nós que o mundo fala sempre que se ousa falar de amor, mesmo antes de existirmos. O mundo fala de ti. A Cristiana que recebeu a notícia da tua partida é a mesma de hoje, apenas mais contida, como uma criança que chora e que se amarra no tempo da vida adulta. A dor fica porque o amor também insiste em ficar. A esse dualismo chamamos saudade. Não falo da saudade de um capricho, falo da saudade que alguém teria de beber água num deserto. Falo de uma avidez do passado, de uma necessidade inconsciente, de uma dor cansada de viver nas trevas, de um grito que quer ser mais que um grito. Tenho saudades daquilo que é meu. Sim, o amor é egoísta. Sempre foi difícil para mim aceitar a tua liberdade eterna. Recordo quando me dizias "até amanhã, se Deus quiser", pois continua a ser um até amanhã, um até para o ano, um até agora, porque Deus sempre quis que dormisses no meu coração. Deus, ou quem quer que seja, quererá sempre o amor entre a neta que eu sou e a avó que tu és. E quando me dizias baixinho "tem sonhos cor de rosa", cá estou eu novamente a tê-los ao falar de ti. Haverá sempre tanto de ti na minha voz e nos meus sonhos, e até no meu rosto sempre que me dizem que tenho olhos verdes. Haverá sempre muito de ti nas flores da senhora que se senta à minha frente no metro em dias difíceis, haverá sempre muito de ti nas rosas que me pedem para cheirar no jardim, haverá sempre muito de ti nos pensamentos que me perseguem quando acordo e nos abraços que damos durante a noite, haverá sempre muito de ti no sorriso rasgado com que fico quando falo de ti às pessoas. Haverá sempre uma alma sossegada, um olhar gentil, uma mão calorosa que se ergue até mim. Perder-te significa perder-me e descrever-te significa descrever-me. Amo-te por seres minha e não do resto do mundo. Amo-te porque sei que uma parte da tua voz grita por mim. Não sei se sou eu que te tenho ou se és tu que me tens. Jamais conhecerei a margem que separa o meu eu do teu. Jamais serei eu sem ti. Por aqui os dias continuam lentos, quando neles espero a oportunidade de te reencontrar. Choro, choro muito de saudade. E morro lentamente ao recordar coisas bonitas que já não consigo tocar. A tua face de veludo rosada, as tuas mãos com as marcas da natureza, o teu cabelo sedoso, as tuas unhas com terra e esses olhos verdes cristalinos. Resta-me tocar nas tuas flores, tão tuas como tu minha. O amor jamais será um rasto físico. Também hoje vivemos com um vírus que não se vê e que abala o mundo. E bem sei que gostarias de usar máscara porque sempre te queixavas do nariz frio. Também a maldade não se toca mas abala-nos. Como o amor que não se vê e nos invade. Nada do que é apenas físico é verdadeiramente transformador. Mais do que se vê, é aquilo que se sente. Sinto-te como a nota mais empolgante de uma pauta musical, como a sílaba tónica de qualquer palavra, como o cheiro a campo no topo da serra, como aquela maresia que nos beijava quando íamos molhar os pés ao mar. Rimas com qualquer poema que fale de amor, rimas com os animais selvagens, com a natureza em bruto, rimas com a vida e com a minha vontade de ser feliz. O teu voo foi como uma migração que as estações do ano pediram, porque a vida terrena não contempla a beleza de que és feita. Serás sempre um voo que fala da vontade em querer permanecer. E quem amamos nunca parte. O amor não deixa que parta. Ele fala sobre tudo aquilo que ainda és. O amor é aquilo que continuas a ser. 

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Zaask

Escritora e Fotógrafa