Abraços que são cidades

Tinhas sabor de domingo à tarde, daqueles em que o mundo gira em torno da nossa janela e se fala a linguagem do sol. A cidade não era o nosso ponto de encontro, nós éramos o ponto de encontro das cidades. O nosso abraço era como essa cidade plena a flutuar nas nuvens. Fomos essas nuvens, fomos essas cidades. Fomos o atrito do tempo, a constelação da noite. Fomos a conexão. Fomos a estrada sem saída, o beco para onde as sementes das flores são levadas. Fomos o sonho obscuro. A história que o mundo não conheceu. Foste vítima das minhas indecisões, dos meus impulsos, mas também eu fui vítima de um bonito sonho ao qual me rendi. Talvez o amor seja isto, um impulso de desejo e uma dúvida emocional. Talvez seja o conflito entre o aconchego que recebes e a não habituação em recebê-lo. Talvez seja a inquietação de não se saber interpretar um carinho recebido de forma espontânea. Ou talvez o amor seja só um passado de dor que nunca irá sarar. Uma eterna incógnita sobre o que, afinal, valemos nós para o mundo. Peço-te apenas que não partas a pensar naquilo que poderíamos ter sido, parte a pensar naquilo que poderás ser um dia. Ficará sempre a questão: precisaremos de ter remos para entrar no barco ou esperaremos o primeiro naufrágio para construir os nossos próprios remos? Na dúvida entre amar e não amar, contigo aprendi uma bonita forma de dedicação e gentileza. Admirei esse teu jeito infantil de te conteres nas palavras para não transpareceres o mundo que girava no teu peito. Esse teu esplendor emocional que ansiava escorregar no pecado do amor. Aos meus olhos representavas dignidade. Para o meu coração foste surpresa. E sobre esse teu jeito de cuidar, ficou a saudade. Restou a memória do alento dos teus braços, o calor do teu olhar. Restaram as ruas vazias numa cidade nossa. Como uma cidade soterrada no tempo, mas não no esquecimento. Como uma ruína que foi vendida a leilão e nunca mais se viu. Como uma estátua da Afrodite que não se chegou a lapidar. Seremos sempre algo inacabado. Não traçámos o nosso fim nem tampouco o nosso começo. Seremos sempre um passado com um leve sabor a futuro.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa