O que é isso da sorte?



O que é isso da sorte se ela só existe para que esperemos por ela? 

Era mais uma madrugada na cidade, mais um delírio ao acordar e sentir que nada me pertence. Sinto-me esmagada por entre a pressa do relógio e a calma que quero dar aos meus passos enquanto olho o amanhecer. Aquele que não deveria passar despercebido aos mil rostos que navegam na cidade. Não quero ter de sentir o peso desta saudade daquilo que fui e do que nunca serei. Não quero ser mais refém da falta de propósito do mundo. Eu não sou esse mundo nem esse propósito. A vida é insuficiente e triste. Ensinam-nos a ser fortes mas não a perder pessoas. A vida é uma constante perda, onde a maior perda é a de nós mesmos, aquela para a qual não existem defesas. 

O que é isso da sorte se não uma nuvem dúbia que nos fala sobre um futuro que não existe? 
Se não uma montra aliciante que não podemos comprar? 
Se não um trevo de plástico que não brota em nenhuma terra fértil? 

Quero atirar-me com força para a vida e que os meus cabelos partilhem confidências com o vento. Quero deixar de contar o tempo perdido em frente à janela ou questionar o meu tempo de espera. 
Na vida, ou se morre da sorte ou se morre da saudade. Morreremos sempre. Comuns mortais reféns das emoções. Vivemos de sonhos perdidos quando perdidos são aqueles que sonham. E que de cada vez que sonham, se perdem mais um pouco. Quantas pessoas vão embora sem motivos e nos deixam a pensar se a sua vinda teve de facto motivos. O medo faz-me imaginar que tudo tem um prazo, que tudo acaba sem uma justificação credível ou uma explicação aconchegante. Finais de histórias exatamente iguais, como um espelho de defeitos e o mesmo enredo negro de expectativas. Rejeitamos por medo da rejeição. Entramos numa esfera repetitiva daquilo que fizeram connosco e acabamos como esse mundo que nada sabe sobre amor. Acabamos por naufragar por opção porque deixou de fazer sentido acreditar. A verdade é que aquilo que é verdadeiramente nosso não permanece por dizermos sim ou vai embora por dizermos que não. O amor não se importa com o lado declarativo e imperativo, é uma entidade que sente involuntariamente. A exteriorização da opinião é somente uma vaidade que oculta a probabilidade de algo ser verdadeiramente nosso. 

O que é isso da sorte se ela só existe para que tenhamos alguma ousadia em acreditar? 
Se não a promessa vazia de superação de todas as perdas?
Se não um caos interior que te lembra do que te falta e que te faz desejar ainda mais essa falta? 

Venho de um tempo que não gere dinheiro, mas que gere palavras. Pertenço a um qualquer século que move virtudes e promessas cumpridas, que incute profundidade na forma de sentir e autenticidade no discurso. Palavras falsas pesam-me como o peso do meu corpo e o apelo à emoção deveria ser crime pelos danos que causa. As palavras são a melhor réplica do que sentimos, porque o corpo toca-se mas só a genialidade da linguagem arrepia o coração à distância. E amar é isso, cativar na ausência. Vivemos numa sociedade primitiva em expressão emocional, que não aconchega espiritualmente, somente carnalmente. 
Tenho fé de que o auge da sorte acontece quando não somos afortunados. Talvez a vida monótona que levamos seja aquilo que é ser uma pessoa de sorte. A verdadeira audácia está em olhar para dentro. Sortudo é aquele que tem destreza emocional para olhar para si mesmo. É aquele que não se permite abandonar, porque enquanto esperamos pela sorte deixamos de esperar por nós.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa