De encontro marcado com a Natureza


Quando cheguei tu já estavas presente com a tua pontualidade aguçada. Recebeste-me como a noite recebe as corujas, como o amanhecer recebe o orvalho ou como o entardecer recebe as silhuetas tropicais das árvores. Eras bela, de caráter selvagem e medieval, mas camuflada de tranquilidade, pedaços de frescura e uma harmonia palpável. A terra remexida afirmava os meus passos e cada um deles era como uma jornada de paz há muito desejada, como se o reencontro com nós próprios não fosse uma questão de distância mas uma questão de pureza circunstancial. Ali, não precisava de caminhar para estar perto de algo, como no nosso dia a dia em que a sociedade nos faz crer que o stress é o desenho dos nossos pés e que parados não somos seres produtivos. Ali o reencontro dá-se ao sabor da solidão, do silêncio, ao sabor do nada que é tudo. O maior ato de produção é o da consciência do nosso "eu", a refleção desmedida sobre a vida e o que esperamos dela, o protagonismo que damos ao nosso interior e a gratidão que entregamos ao exterior que respira beleza. Somos seres produtivos a partir do momento em que nos entregamos e encontramos. Aquele ambiente celta era tudo aquilo que precisava, aqueles rasgões de luz a desvendar as texturas dos troncos e das rochas, aquele animal de olhar firme e lendário, aqueles esconderijos verdejantes e épicos, aquele nevoeiro misterioso que fala sobre a ambiguidade do mundo físico e humanizado, aqueles prados, aquela sinergia de cheiros e cores, aquele nicho apaziguador de almas e que demonstra como a felicidade pode ser tão orgânica e subtil, tão desprovida de razão e de calculismo perante a criação de Deus. A felicidade és tu, natureza. Tu que envergonhas qualquer humano com a tua presença. Tu que descodificas a nossa história e nos garantes a pequenez de que somos feitos. Em ti eu travo um guerra indolor, onde a minha espada é a sinfonia pura de que sou feita. Como se a respiração se assumisse como a única forma de representarmos a vida em nós. Como se a sensibilidade dos nossos sentidos se elevasse e nos garantisse todas as premissas da felicidade. Como se toda eu fosse feita da elegância dos teus veados, do infinito dos teus trilhos abandonados, do mistério do manto de névoa das tuas madrugadas, como se toda eu fosse feita da timidez das tuas raposas, da destreza dos teus coelhos selvagens, da prontidão das tuas árvores que se erguem para me cumprimentar, como se toda eu fosse feita da grandeza do teu vento noturno que me preenche os poros, da bravura das tuas fontes que brotam águas sãs e devoradoras de maldade, da lucidez do teu relógio natural que me seduz e me leva a querer sempre voltar a ti. Volto a ti com ou sem encontro marcado porque essa é a verdadeira liberdade, o verdadeiro amor, tudo aquilo que nos permite ser quem somos e não nos mutile a capacidade arbitrária. O querer-te. O voltar a ti. O amar-te por inteiro. Seja nascer ou pôr do sol eu sei que chegarei a horas. Sei que estarei sempre a tempo de provar a tua imensidão, porque para te ter basta existir.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa