Não voltes aonde foste infeliz

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É amargo o silêncio da noite e tão desesperante a falta de sentido que ele dá à vida. Somos tão insignificantes no meio de antros escuros e cerrados, nem a própria silhueta se define nem tão pouco a essência dos nossos princípios e das nossas batalhas. A espada cai. O livro de contos e mistérios fecha-se pela escuridão e os sonhos são diluídos pela solidão. Os contornos do corpo desvanecem-se e resumem-se a arestas sentidas por brisas nómadas e incómodas. O que resta de um corpo preso pela nostalgia enquanto todos os outros dormem? Resta um pássaro livre que se desprende a cada madrugada. Resta uma brisa leve à qual chamam de alma. Resta um refúgio de cicatrizes silenciosas. Resta uma calma desassossegada como se fossem restos de poeiras após uma guerra mundial. Resta o medo do futuro e a amargura de não conseguir amar. Resta a racionalidade e a certeza de não querer voltar aonde fui infeliz. Não te massacres ao pensares que merecias melhor do que o teu passado, não te arrependas por aquilo que abdicaste enquanto outros de ti abdicaram, não faças da insignificância dos outros o teto que trava os teus sonhos, não permitas que almas negativas te façam parar no tempo. Reinventa-te. Sim, reinventa-te e nunca voltes aonde foste infeliz. Os clichés diriam para te afastares de onde foste feliz, talvez porque relembrar dói, talvez porque haja a tendência eminente em se comparar a felicidade passada com a presente, e a verdade é que comparar felicidades nunca foi um ato feliz, talvez porque estar num local desses faça pulsar os batimentos de uma forma que nos reduz a pedaços de fraqueza, ou simplesmente por mero orgulho... Portanto, são os mesmos motivos que não nos levam a dar um passo em direção aos locais onde chorámos. Tudo o que nos afasta da felicidade é exatamente o que nos afasta da tristeza. Associar um local a um sentimento é, por si só, uma mágoa, é um fenómeno de restrição onde catalogamos as coisas em função de sentimentos e não em função de experiências pessoais e de auto-valorização. Voltar a ilhas de sorrisos ou de lágrimas torna-nos impotentes porque, por momentos, sentimo-nos exatamente a mesma pessoa que fomos quando pisámos aquele local, tornamo-nos marionetas de sentimentos passados, personagens de histórias que já não existem e somos reduzidos ao vento gelado que nos trás a realidade aos poros. Há poeiras que por mais que assentem, a sua incógnita e bruta maldade faz-nos imaginar que elas ainda estão dispersas no ar. É então que surge um arrependimento que outrora não tinha surgido. É verdade que cresci, é verdade que me transcendi, que me superei e me ergui! É verdade que transpareci luta e vitória, orgulho e concretização. Mas... Mas também é verdade que o frio desta madrugada rima com o meu coração, que elevar as expectativas em relação a alguém só me faz recuar mais, é verdade que existe a falta de um impulso firme e duradouro que dê uma explicação ao meu sorriso, que o medo de sofrer novamente se eleva a um patamar que destrói toda e qualquer forma de esperança. Gostava de dizer que não vou esperar pela próxima madrugada para ser feliz, que o irei ser aqui e agora, mas a rotina está a ser feita de madrugadas inquietas e confusas e, dia após dia, sinto-me a entrar numa madrugada mais longa onde espero um dia ver nascer não apenas o sol mas também novos recomeços.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa