Civilizar emoções

Somos metrópoles da amnésia com meros passos ritmados 
Mas não passamos de uma multidão de carros blindados
Esquecemo-nos de nós próprios, nas nossas vidas paralelas
Vamos acabar por ver as estrelas apenas das nossas janelas
É o degelo das calotes e o congelar dos corações
São estalos entre o gelo e vidas entregues a leilões
Sociedade que sai de casa e enfrenta a maior das tempestades
Mas a frieza do coração é algo que não escolhe idades
Sociedade que cumpre horas extra e depende do café
Mas não é a confiança que nos sustenta de pé
Sociedade domada pelas ruas da cidade
Onde cumprimos deveres e devemos tudo à liberdade
Aquilo que se carrega é ilusão mascarada de dor
Não deixemos que truques de circo envenenem o nosso amor
Aquilo que nos define é beleza mascarada de banalidade
Não permitamos que essências raras sejam entregues à crueldade
Achamos que águas diluem mágoas e que sorrisos atraem esperança
Não nos entreguemos aos galanteios de quem nos pede uma dança
Achamos que perseguir um sonho é sempre algo fidedigno
Mas entendamos que há pessoas com o apelido de maligno
Julgamos que a nossa vida se desenrola ao sabor de uma balada
Mas não nos agarremos a penhascos quando já houve derrocada
Queremos abarcar a percentagem de sorte de um malmequer
Mas que nunca nos tirem a pureza de ser mulher
Sejamos crentes racionais que saibam lutar e abraçar
Capazes de virar as costas, mas se valer a pena, brindar
Se a vida está uma porcaria passa a chamá-la de sonho
E se todos te desiludem, adota um presente risonho
Sorri para as flores e colhe sempre as mais belas
Que a sua essência aromática seja aquela que tu revelas
Será que o que fazes pelos outros é o que por ti farão?
E na hora da tua queda é por ti que correrão?
Será que merecerão o encanto que tu lhes dás?
E o caminho que, pelos outros, tu sempre percorrerás?
Merecerão a paz que encontras em ti para lhes poder oferecer?
Ou assumerás o papel em que terás de ser tu a ceder?
Tudo o que reproduzimos é aquilo que recebemos
E o motivo de ação é aquilo por quem vivemos
Mas às vezes não é bem assim, e brotam lágrimas erradas
Porque o motivo pelo qual choras não era o que tu esperavas
Aprendi que quando nos queimam os sonhos temos de criar novos trajetos
Forçadamente ou não, temos de torná-los lúcidos e concretos
Às vezes aquilo que move as pessoas não se chama de amor
É como escrever um livro e descobrir mais um leitor
É como uma promessa vestida de vaidade
Ou como uma espécie de carência em formato de saudade
É como um cordial contrato que se faz por castidade
Ou como um conceito demente e isento de verdade
Somos muitos mais do que o nosso apelido
Muito mais do que o nosso jardim florido
Somos muito mais do que os nossos dias tristonhos
Muito mais do que a interpretação dos nossos sonhos
Somos de carne e osso e de cidades ditas civilizadas
Por isso, civilizemos o amor em vez de o ver apenas em contos de fadas

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Zaask

Escritora e Fotógrafa