Sementes ao vento


Era a viagem mais triste da minha vida. Fui mais uma semente levada pelo vento prematuramente, porque a terra onde prosperava não tinha mais nutrientes para me dar. É triste, é cruel, é devastador existirem tantos marcos pelo caminho que me fizessem lembrar o quanto aquela distância era curta e tão longa em saudade. Fui levada pelo vento rasgado entre aquelas curvas apertadas. Como se compactam tantas emoções entre duas bermas de alcatrão? As lágrimas contidas eram como buracos negros que me absorviam. Tudo gemia à minha volta e nenhum pedaço de estrada fazia sentido. Existiam esperanças hipotéticas. Mas para quê? Elas eram apenas restos da vida passada. Ínfimos trajetos alimentados pelos sussurros dos sonhos. Singelos sentimentos por perseguir infinitamente. E para quê se uma mera semente se tem de redimir à direção dos ventos? Eu estava ali por respeito, porque tal como o nascimento de Cristo marcou a história também o amor me definiu como pessoa. Com umas quantas moedas na mão enfrentei o medo e a decisão pronunciada por lábios amargos mas calorosos. Teremos até de pagar pelas despedidas? Será o metal que temos nos bolsos que nos delimita o passado do futuro? Talvez... Mas também a coragem é valiosa quando a arma do amor enfraquece. Como conseguíamos viver sabendo que sem a nossa coragem apenas nos sobraria a frieza dos outros? Não vivíamos, sobrevivíamos. Não é a maldade que nos faz chorar, é o frio, porque é a frieza das pessoas que nos bate na janela todas as manhãs de inverno. Não são as opções mortíferas que nos levam para longe, mas sim o ar gelado que sai dos seus corações e que leva qualquer semente indefesa. Pior do que um mapa dotado de realidade é uma distância fictícia vestida de punhal. Pior do que obedecer à remição das fronteiras é viver afogada em mágoas criadas pelas pessoas. Pior do que não existirem raios de sol em comum é confundir o vento com a respiração de alguém e fingir que nada se passa. É estar em frente a uma cascata e não sentir os salpicos. É ter a vida à nossa frente e olhar em vão para o avião que passa. Ali estava eu, a caminhar para a incerteza e a deixar para trás tudo o que fizera sentido. Porquê que para tantas coisas somos autómatos, mas quando sofremos nos agarramos à escuridão e aos sentimentos falíveis de um ser humano? Porquê que não existem métodos tecnológicos que nos suprimam a dor? Existem dores e calafrios e arrepios que constroem a separação entre o período de amor e o período inóspito, o vazio. Um terramoto cruel que começa por ser um abalo ténue, mas que todos os dias se torna mais aceso na alma, mais injusto para o coração e mais desanimante para a forma de viver. Talvez a vida se resuma à forma de uma balança. Talvez um sorriso implique sempre uma lágrima e qualquer salto de alegria arraste consigo um salto para o suicídio. Agora, numa fase em que quebrar orgulhos é difícil e arranhar feridas ainda mais o é, os sonhos desvanecem-se como uma tela colorida a ser diluída num dia de tempestade. Há pedaços dessa tinta a chorar dentro de mim, tal como haviam lembranças a rebentar em cada lágrima contida naquela viagem de ida sem volta. Existem adeus que são sentidos à letra. Que levam uma vida a serem digeridos e que levariam séculos para deixarem de ser chamados de desumanos. A viagem fora calma e os vestígios do conformismo eram quase nulos. Ainda hoje o são. Acordo todos os dias com a certeza de que foi o amor que cimentou a minha vida. Até que cheguei a casa e senti o vento a arrastar-me uma última vez. Como se eu tivesse perdido toda a potencialidade de uma semente. Como se me tivesse tornado oca e leve até para uma simples brisa de primavera. Como se o vento fosse a favor daquele crime e quisesse certificar-se de que chegaria a casa e não voltava mais, percebes? Como se todo o mundo estivesse a favor daquele sofrimento, como se cada pedaço de vento fossem sopros de Deus a desenhar o meu futuro. E assim eu aceitarei e ficarei como uma semente perdida. Uma semente que poderia ser tudo e agora é nada. Uma semente mágica e que tinha e ainda tem dentro de si o maior amor para dar ao terreno mais apetecido...

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Zaask

Escritora e Fotógrafa