Civilização

Desgasto-me somente de assistir aos concursos de máscaras que sucede a todo o minuto pelas calçadas. Canso-me porque todo este apetite voraz me suga mais sangue que um percevejo. Aqueles vagabundos corruptos que carregam ácido nas veias e que andam tão engelhados para não caírem da linha ténue que é a vida deles. Aqueles frenéticos pela civilização, dotados de poder e, no fundo, dependentes dos animais do estábulo, do fedor do estábulo, dependentes de quem apanha lixo para sobreviver, dependentes dos pobres. Aqueles nauseabundos a quem não lembra a vida social, a religião e o apetite, se não o do canibalismo psicológico. Aqueles sedentários que repelam os bichos, que não podem ver uma carraça, quando na verdade vivem como elas. Aquelas figuras de cera tão bem esculpidas de figura, mas tão mal esculpidas de coração. Desde aqueles “toc´s” dos sapatos envernizados, àquela pele lambida de pós que aparenta ser de cristais. Aqueles robots movidos pelo fumo dos cigarros, pela poluição sonora, pelo alcatrão, pelas gravatas, pelos vestidos, pelos escritórios dos arranha-céus, pela ilha de presunção onde vivem, pela metrópole. Aqueles que admiram aquele andar calculado e dissimulado, como quem recorre a um esquadro para medir os passos. Aqueles que estupidamente se escondem atrás de pilhas de fotocópias inúteis, onde a cidade é toda ela uma fotocópia, com apartamentos encaixotados e simétricos aos que os rodeiam. Aqueles que olheiras possuem, não por ver as estrelas, mas por se deitarem tarde com as suas amantes. Aqueles de diamante no dedo que falsamente se riem e festejam as suas rotinas de gaiola. Aqueles que vivem inutilmente à espera do próximo servidor, onde não há existência para além do seu monstruoso portão automático. Talvez toda a cobardia requintada seja a mais falsa forma de viver em comunidade, talvez o nosso ego chegue para preencher todos os espaços vazios do mundo, para preencher as nossas próprias células, para envenenar os nossos atos…

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Zaask

Escritora e Fotógrafa