Borboletas que voaram


Foste como as borboletas da primavera que chegam intensamente mas possuem um prazo de validade. Foste aquela borboleta que se alojou e se dedicou à sua flor, mas que partiu com a chegada do frio da responsabilidade. Foste como uma bolha de virtudes. Alguém de aparência cuidada e que parecia vir de mansinho remexer no meu mundo. Chegaste com uma atitude arrebatadora, uma confiança suportada por uma timidez bela e estimulada por palavras bonitas, uma voz poderosa, dominante e repleta de densidade, umas mãos lisas e delicadas mas que conheciam a intensidade das estrelas, uma respiração tão intermitente como os teus sentimentos e um olhar singelo, talvez o teu mais puro sinal enquanto me olhavas. Ignorámos este nosso mau timing em que nos conhecemos, virámos costas às circunstâncias e permitimo-nos entregar ao desconhecido mais fascinante que eu tivera conhecido. Um desconhecido que por ser desconhecido se tornara num mistério a gritar por ser desvendado. Como um livro a pedir para ser lido ou um sentimento novo a querer ser despertado. Não vi mentira, não presenciei calculismo. Vi transparência e cumplicidade. Senti cada tacto de verdade, cada reflexo de entrega. Talvez os teus cinco sentidos sejam agora questionáveis e exista neles o fim da nossa história, tal como quando eram cinco da manhã e terminava a nossa chamada. Depois é como se fosses dormir e tudo acabasse, como se o pesadelo que tivesses durante a noite passasse a ser o meu pesadelo durante o dia. Mas ainda assim preferia olhar-te enquanto dormias. Mesmo que esse pesadelo passasse a ser o meu lado mais acordado, preferia estar ali a ver o teu pior lado. Passaria a gostar de maldade se ela me levasse até ti. A verdade é que todo o nosso contraste parecia fazer sentido, as tuas qualidades assumiram-se como um novo conceito de amor. Mudaste o meu estereótipo. Fomos como um voo por entre as pétalas de um jardim escuro que te assusta mas te faz querer arriscar. Fomos um carpe diem tão cor de rosa como a minha camisola no dia em que te conheci. Mais do que duas pessoas num primeiro encontro, mais do que o calor de dois cafés, a interceção de sorrisos e o pretexto em tocar na mão, fomos um conceito, uma compatibilidade redentora como a lua dessa noite. A mesma lua que nos ofereceu a mística das ruas e a beleza do primeiro beijo. Foste aquela borboleta que me percorreu as costas e deixou rasto daquilo que sentiu. Intensidade e vontade de viver, foi aquilo que senti nas tuas mãos e depositei nos teus lábios. Ambas as forças a contrabalançar uma energia que tinha como centro o coração. Como se naquela bolha magnética existisse um poema que rimasse ou duas respirações que criassem uma pauta musical ofegante. Senti-me acompanhada da mesma forma com que a poesia colmatava a minha solidão em noites frias. Tu foste essa poesia que me inspirou e deu sentido ao perigo da noite. Senti que tu me levaste a uma auto-descoberta que me fez acreditar que, juntos, poderíamos desvendar o propósito de estar a pisar este mundo. Até que chegou um inverno precoce e as borboletas foram embora. Simplesmente a primavera acabou. Como um contrato que expira. Sem motivos lógicos. Com explicações dadas à pressa. Acabou como acabam as estações do ano quando chega a data do calendário. O timing e as circunstâncias que outrora eram apaixonantes deixaram de o ser. A sensação de felicidade voou como uma migração fora de época. Restaram as memórias que se fixaram como pólen nas minhas pétalas. Foste borboleta que voou e nem sequer olhou para trás para ver se o meu voo seguiu o mesmo compasso. Não quiseste continuar o processo de descoberta, apenas voltaste ao quadrante emocional para te despedires. Como quem entra numa igreja só para confessar que se é ateu. Foste como pedra lançada ao ar, que quando caiu remexeu a poeira de dois corações, mas depois assentou com a gravidade pelo medo de flutuar acima dos pés do ser humano. O medo de flutuar é o medo de amar. Mas amar é aceitar a ousadia de viver acima dos vulgares passos consumidos por uma rotina monótona. E se amar é cair, então será a queda que mais te fará levitar, porque a queda será apenas para dentro de ti mesmo, da tua essência. Lembra-te que amar é como sentir a luz do dia para sempre, com a mesma intensidade daquela que bate na janela do teu quarto. Nunca me esquecerei de ti, nunca serás um banal passageiro que percorre os comboios da vida apesar da crueldade com que fugiste. Não sei se um dia o nosso bater de asas voltará a seguir o mesmo ritmo, mas sei que o teu voo conheceu a beleza das coisas simples e puras e talvez tenha levado consigo um pouco mais de emoção. Hoje posso dizer que ainda gosto mais do perigo, sabes porquê? Porque foste o perigo que mais gostei de conhecer.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa