Amor à expectativa

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Quem ama saberá que o medo de se perder alguém é semelhante ao medo da morte. Pensamos exatamente no grau de dor que iremos sentir. É como se uma grande parte de nós quisesse esquecer à força essa inevitabilidade e uma pequena parte racional saber que isso faz parte das probabilidades da vida. É tão doloroso imaginar um fim, chega a ser repugnante! Seria como a nossa morte em vida e, só de se imaginar, já se sente uma pequena morte dentro de nós. O problema está no amor à expectativa. Naquilo em que depositámos promessas, valores, sonhos e vidas! Naquilo a que demos o poder de segurar a nossa alma e a nossa essência e depois nos falhou. Nos largou. E de nós abdicou. Depois ficamos suspensos no ar, imóveis no pensamento, como se estivéssemos numa guerra e não nos quiséssemos mexer porque a morte era tudo aquilo que desejávamos, como se nos sentíssemos atingidos por balas e, apesar de sermos imortais nesse pesadelo, de facto sentimos essas balas e todas as perfurações, sentimos algo horrendo a propagar-se dentro de nós. Algo venenoso a alimentar-se da nossa felicidade! Ficamos com a certeza de não pertencer a este mundo e de que tudo, para nós, acabou. E aí percebemos que tudo é como a morte, inevitável. E compreendemos que a expectativa é a pior arma usada contra nós mesmos. E apesar de já ter abandonado qualquer expectativa e depois da confiança que já ganhei, ainda ouço ecos teus a dizer que não presto, ainda ouço balelas a convencer-me de que não tenho valor algum. É ultrapassável, mas não é indolor. É tido como devaneio, mas ocupa o nosso lado racional. São vozes e vozes a lembrar-me da minha idiotice em ter lutado tanto. Hoje percebo que melhor do que lutar por rotina é lutar apenas quando se sente um estímulo que nos faça abdicar do nosso tempo, mas nunca de nós mesmos! É preciso um objetivo na luta, e não apenas a cansada recorrência de uma ação. E uma ação sem troco, sem carinho, sem dedicação! Ainda tenho o ritmo de tantas músicas alojadas no cérebro. Músicas que ouvia enquanto esperava horas e horas por aquela presença especial. E quando a expectativa se aproximava de mim, eu era mandada embora. Fosse dito com seriedade ou não, eu estava ali de corpo e alma, a abdicar de pessoas que nunca abdicaram de mim. Magoou. Gelou. E ainda hoje existem esses flocos sob a forma de frieza. Foram quedas e quedas tão banais para os responsáveis e tão carregadas de brutalidade para quem as sentiu. Nunca tenhamos expectativas por alguém que nem sequer espera nada de nós. Nem sequer arranja um espaço no seu coração para sonhar alto em relação a nós, porque o pedaço de expectativa que temos pelos outros é um fruto do apreço por essa pessoa e, onde há expectativa, há inconscientemente uma espera constante por aquela pessoa, pelo seu olhar, pelo seu abraço, pelos seus passos. Queremos meramente a sua presença. Eu sei que quem é capaz disto, também será capaz de sentir um bocadinho de compaixão, acredito que existe um lado humano e que a maior causa desta destruição de sonhos é o egoísmo e não apenas a maldade. Eu sei que te vais lembrar de mim. Sei que há uma parte de ti que ainda me acha insubstituível e também sei que já nada disso me interessa. Mas doeu. E foi tudo por amor à expectativa.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa