Chamei por ti e respondeu o tempo


Chamei por ti e respondeu o tempo... Há um ano que te tenho na alma, viva a cada segundo. Sempre achei a vida a coisa mais injusta que poderia existir, hoje entendo que a morte o é estrondosamente mais. A morte que vai e a morte que fica nos vivos. O olhar vazio em frente à janela, a apatia sem motivo aparente, o choro repentino em pleno dia feliz,... É a tua falta a fazer eco.  
Durante algum tempo achei que a vida fosse uma espécie de teatro ou encenação porque todos sabemos que vamos morrer um dia mas continuamos de pé a participar nisto a que chamamos vida. Como se não bastasse, durante este processo ainda perdemos as pessoas que amamos. Perguntava-me: Mas que força interior transcendente poderemos ter para compactuar com isto tudo? Hoje respondo-me: Essa força chama-se eternidade. Não continuamos por nós, continuamos pelos que partiram. Ou pelos que temos medo que partam. A vida que pisamos é só um reflexo daquilo que somos e do sítio onde pertencemos realmente. Parece obscuro olharmo-nos como rascunhos de algo que um dia foi real. Parece insensato não aceitar que o sofrimento faz parte da equação. Mas parece tão lógico sentirmo-nos ocos com a falta de quem contribuiu para o nosso crescimento. Acredito que somos vivos e nos sentimos vivos enquanto estamos com todos aqueles que amamos, e de cada vez que alguém parte nos tornamos seres mais imperfeitos, mais sábios mas com menos alvos para o nosso amor. Vivemos em corpo aquilo que em tudo é espiritual. Vivemos uma memória porque também fomos a memória de alguém. Levaste memórias minhas e de pessoas que eu não conheci, as tuas ficaram todas cá, guardadas e amadas eternamente por quem te ama.
Sinto esta simbiose nas minhas veias, nos meus sonhos, no meu jeito de caminhar, na minha forma de dar as mãos e sentir o polegar um no outro, no ângulo em que olho para o céu e te peço que voltes. No momento inerte em que quase deixo de respirar para te ouvir a costurar na tua máquina clássica. Toda eu sou saudade. Toda eu sou a súplica de te voltar a ver. És o rubi dos meus olhos, a terra fértil do teu eterno jardim, és a água fresca a brotar das montanhas, o sol a regar o mundo de virtudes. Chamo por ti como Maria chamou por Jesus, como o deserto grita por água ou como os crentes desejam a aparição. Vem. Fala-me sobre o teu passado e sobre o teu futuro. Fala-me da natureza que sempre trataste por tu. Não me fales de dor. Fala-me do que desaprendi na tua ausência. Fala-me de tudo aquilo que eu não tenha sentido após te perder. Fala-me de felicidade. Fala-me de amor. Fala-me do nosso abraço. Fala-me dessa minha saudade para que eu não morra de saudade. Sei que quando chamo por ti responde-me o vento subtilmente, talvez porque todos nós somos detritos do tempo. Somos feitos de tempo, aquele que perdemos e aquele que desejamos ter. Somos a linha ténue entre aquilo que fomos e aquilo que queremos ser. Somos o tempo do passado que amámos e somos o tempo frágil do futuro que ansiamos. E é nessa saudade que mora todo esse tempo. Essa corrosão que faz de mim mártir do vento, onde me afogo em visões espirituais e na crença de energias palpáveis. Só quero ser ampulheta se tu fores os grãos de areia a definir esse tempo. Só quero fazer parte de uma outra vida se tiver a oportunidade de te conhecer outra vez. És tu que mantens o meu mundo na sua órbita. Todos acabamos por ser fortes e resistir à queda, mas não se torna mais fácil por isso, a dor está cá, mora cá. Contudo, quero que saibas que a proporção daquilo que mudou no exterior é igual a tudo aquilo que se manteve no interior. O amor está, mora cá.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa