Pesticida emocional


Hoje falo-vos da sociedade cujos valores são intragáveis
Aquela que não quer pessoas felizes, mas pessoas rentáveis
Neste capitalismo que rouba vidas e só dá liberdade verbal
É um colapso coletivo para a integridade individual
Uma hierarquia doente que não paga a democracia
Criam-se elos mais fracos em busca de uma competição vazia
A terra dos campos é fábrica, enquanto agricultores são locomotivas
Mas são os países do terceiro mundo a fazer das grandes marcas lucrativas
Pesticidas estão para os campos como o Homem está para o planeta
Homens cuja voz ativa no mundo é a assinatura de uma caneta
Milionários com corações que são como o crómio da água
Olham para caixas a faturar ao invés de sentir qualquer mágoa
Os mesmos que chegam a casa e têm o cão numa trela
Como são seres humanos se vivem na poltrona em frente à janela?
Os mesmos que abandonam o melhor amigo do Homem
Sem perceberem que a alma não é aquilo que comem
Os mesmos que acabam relações e se tornam como leões
Julgam que princípios e caráter se escondem atrás de brasões
Os mesmos que demonstram continuidade naquilo que é casual
Sem que elas se apercebam que são um catálogo sexual
Os mesmos que colocam a sexualidade como uma imposição
Nunca saberão amar se nem livre arbítrio lhes dão
Os mesmos que abraçam os mendigos e tiram a foto da praxe
Como se a simpatia alimentasse ou a fome se engraxasse
Os mesmos que erguem o altruísmo como a capa de um jornal
Crucificam a identidade dos pobres e levantam o seu próprio astral
Os mesmos que padronizam horários e uniformizam rotinas
Como se fôssemos gado ainda a brincar às capas e batinas
Os mesmos que banalizam um trabalho pronto e vomitam hierarquias
Que ajustam as suas folgas só para irem comer enguias
Os mesmos que aceitam cunhas e mostram o emprego como algo casual
Enquanto milhões enviam currículos e se tornam lixo virtual
Os mesmos que prometem artigos legislativos politicamente corretos
Enquanto uns vivem a recibos verdes, sendo completos objetos
Os mesmos que saem da jaula para ir comprar o que não precisam
Dar flores a quem não amam e relembrar o aniversário de quem pisam
Os mesmos que se curvam perante um chefe que não conhecem
Esse mesmo que limpa as mãos quando os súbditos adoecem
Os mesmos que se focam em gastar para impressionar alguém
Enquanto outros estão focados em ganhar para serem alguém
Os mesmos que respiram em multidões de psicopatas
Se o preconceito fosse ferrugem, eles viveriam em sucatas
Os mesmos que preferem o poder de ter do que o poder de ser
Aqueles que num mundo de fome e guerra serão sempre os últimos a ceder
Uns a tentar respirar por entre a vida e os seus direitos
Outros a fazer dos seus troféus os seus grandes feitos
Mentes de sonhos estreitos, inundados em defeitos,
De estados insatisfeitos e sentimentos imperfeitos,
São eles que fecham as comportas da igualdade de oportunidades
Porque vocação não deveria escolher idades nem cidades
E nem sequer vaidades, porque só se chega onde se pode chegar
E há almas que o destino um dia vai saber encaixar
Sociedade que promete liberdade coletiva, mas não liberdade individual
Sociedade que exige cursos, mas não estimula a vertente intelectual
Sociedade com maior ensino, mas menor educação
Sociedade com maior evolução, mas maior inquisição
Sociedade com prédios mais próximos, mas maior aversão humana
Sociedade que há semana é tirana e ao fim de semana é texana
Sociedade com mais fome e mais comida estragada
Sociedade com mais latão nos bolsos, mas corações cheios de nada
Sociedade com mais aviões, mas sonhos mais rasos
Sociedade pontual no trabalho, mas para amar conta com atrasos
Sociedade tão suja de ruas e de valores
Sociedade que por trás são bestas e pela frente são uns senhores
Tudo a que nos comprometemos é um registo temporário
Perdeu-se a solidez dos contratos e aceita-se o regime precário
Passamos a vida a lutar pelas nossas próprias migalhas
Enquanto nesse processo somos vítimas das nossas próprias batalhas
Desligamos amizades, desconectamos o nosso passado feliz
Como se já nascêssemos com os olhos postos fora do país
Não basta erguer estatutos ou premiar a genialidade
É emergente alargar o espetro e promover a criatividade
Promover a arte de ser e de sonhar
Ver a essência para lá daquilo que queremos alcançar
Se o mundo fosse justo muitos reencarnariam do céu
E da pouca falta que muitos fazem, eu faria o meu próprio véu
Não deveria existir uma pirâmide de principiante e mentor
Deveria existir sim um labirinto de fé interior
Porque a consciência atinge-se para dentro e nunca para cima
Pena que espiritualidade seja ainda vista como estigma
Também Edison inventou a luz e não foi ele a receber os créditos
Talvez um dia se reconheça que no povo também existem cérebros inéditos
Existem vidas a querer alcançar a luz
Mas a rotina de sobrevivência transforma-se numa cruz
O meu pensamento é uma sátira e a revolta é concreta
Se os letrados fossem submissos, preferia ser analfabeta
Se os dinossauros fossem humanidade, seríamos o seu meteorito
E se este poema fosse ruído, seria um gigante grito
Sinto-me grata pela vida, mas não por este século em que habito
Numa revolta muda em que vomito
Enquanto um mundo paralelo visito
Deixa que o teu corpo se conforme, mas nunca a tua mente
Sofre da tua própria revolução, mas sê grato por seres alguém que sente
O sentimento é a ponte que nos liga intimamente ao mundo
Porque é a humanidade que faz de nós um ser profundo
Muitos vivem em anestesia, alheios ao planeta imundo
Pergunto-lhes como conseguirão um dia mudar o mundo?
Não queiras ser igual aos outros quando tudo em ti é diferente
Face à religião da tua essência, nunca deixes de ser crente.

Comentários

  1. Incrível, poderia ser a letra de uma música, ou diversas, todas elas estando nos top charts do mundo, para que todos ouvissem as tuas palavras de tão verdadeiras e autênticas que são. 5* ⚜️

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    1. Eu por acaso imagino sempre um padrão rítmico de fundo, ao estilo rap, por isso é engraçado o teres dito! Um gigante obrigado por essas palavras, seria lindo que todo o mundo pudesse sentir este sentimento de justiça.

      Gratidão!*

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Zaask

Escritora e Fotógrafa