Resiliência


Desta vez a montanha parecia menor, ou seria a minha força que tivera diminuído a dificuldade de escalar. Quando mais motivos havia para o meu mundo desabar foi quando ele não desabou e aí percebi o significado de resiliência. Já só fazia sentido ser eu mesma e percorrer o meu caminho. Era inconcebível sentir um falso apoio ou aceitar dar as mãos a quem não sentia nos seus poros a dor de uma real luta. O que é a dor se não um sentimento adverso que alimentamos e tornamos vício? O que é a dor se não uma ação repetitiva que conscientemente colocamos no inconsciente? O que é a dor se não um círculo de roubo emocional com uma recompensa também de esgotamento emocional? Percebi que mais do que me respeitar a mim, eu respeitei a minha dor. Não procurei atalhos para a superar, procurei virtudes em mim para ela não me inferiorizar. Não procurei fugas à dor, procurei formas de a aceitar. A dor vive-se no presente, não se adia. Não procurei no exterior, procurei no interior. Não procurei um teto falso pintado de fresco, procurei um céu aberto que me permitisse ser quem eu era. Deixei de dar importância aos olhares da sociedade e o conceito de julgamento desapareceu. Foi aí que percebi que o julgamento só acontece para connosco próprios. Se a nossa postura adotar filtros de confiança e sabedoria emocional, jamais a sociedade nos poderá julgar. É a dor que nos muda verdadeiramente e nos cria essa capacidade de resiliência emocional. É ela que nos permite matar essa anestesia face à vida e essa chama face à ilusão. Todos vivem no conforto do ar condicionado e das fofocas do emprego, todos navegam à tona de um mar de expectativas e ilusões, todos somos rebanhos dominados por um ego coletivo, até ao dia em que sofremos uma dor que não é coletiva, é apenas nossa. E aí, essa mesma sociedade coletiva deixa de o ser para te apontar o dedo. Nesse dia aprendemos que temos individualidade e que a nossa história e a forma como a enfrentamos é a melhor versão da nossa identidade. É exatamente isso que penso: a resiliência é a melhor versão da nossa identidade. Descobri isto numa fase traumática. Debaixo de cada lágrima de desespero esteve a convivência comigo mesma, uma convivência que até Deus desconheceu. Quando chorei compulsivamente percebi que só me restava eu e as minhas entranhas, era eu mesma a quem tinha de socorrer, enquanto perguntava ao destino se haveria algo bonito à minha espera após a tempestade. O gigante problema de uma adolescência tardia e de qualquer romântico é achar que são as borboletas que nos traçam os percursos amorosos. Temos de relativizar mais o que sentimos porque o sentimento cega-nos da nítida incompatibilidade. Percebi que todo o sentimento pode ser dominado desde que coloquemos na equação o fator verdade. Nenhuma verdade reúne a inconsistência, a incoerência, a fuga, a mentira, a ocultação, nenhuma verdade compactua com a sabotação dessa mesma verdade. E se um dia te esqueceres das condições em que estás, relembra o conceito de verdade e reformula aquilo que queres para ti. E volta a lembrar de onde vieste e para onde queres ir. Aprendi a minimizar os problemas do dia a dia, a olhar com futilidade para os desgostos amorosos, para o olhar na discoteca não correspondido, para as dúvidas dos pós encontros que nos tiram tantas vezes o sono, para tanto lixo emocional com o qual perdemos horas de energia da nossa vida a tentar descobrir aquilo que não é suposto nunca descobrirmos. São os erros cujas consequências foram as mais transformadoras que nos permitem fazer as melhores escolhas no futuro. É preciso intimidade com as más escolhas para um dia valorizarmos a intimidade de uma boa escolha.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa