Recíproco



Nunca soube verdadeiramente o que era reciprocidade até ao dia em que te conheci. Desde o primeiro olhar no concerto ao último toque debaixo da chuva. Desde o dançar na rua ao som dos artistas ao teu pretexto para sentir o cheiro do meu pescoço, desde a timidez à irreverência, desde a curiosidade à confidência. Percebi que reciprocidade é quando nos olham a tempo inteiro, quando estão de olhos fechados mas nos continuam a ver com os olhos da alma. Reciprocidade é quando o toque no cabelo se transforma num novo idioma e quando o toque na pele se torna no verdadeiro olhar. Reciprocidade é quando eu moro no teu casaco numa noite fria e isso se torna na metáfora de querer morar no teu coração. Reciprocidade é olhar para o mesmo rio com a mesma vontade de querer navegar. É querer ser remo em dias de vento, é querer ser nenúfar em dias de primavera e arca de Noé em dias de tempestade. O nosso primeiro beijo foi como uma aurora boreal em terras portuguesas. Num Porto onde tu escolheste atracar emoções. Nunca a ponte Dom Luís fora tão leve como a leveza dos nossos passos e dos nossos obstáculos. Fomos como aquele poema que em todos os versos rima. Um poema escrito pelo vento do rio Douro, cujos meandros dos navegantes escondiam um pouco daquela magia noturna escondida no teu sorriso e nos teus olhos rasgados. Surgiste na minha vida como uma chuva de estrelas, como uma sensação ardente ou um remoinho de emoções desconcertante, mas ao mesmo tempo rodeado de uma aura tranquilizadora, simplista e revitalizante, como uma brisa de verão em pés descalços e um café aconchegante. Foste luz, foste magia, foste a constelação perfeita para um céu escuro aleatório. E, juntos, fomos calor, fomos vida, fomos amor. Sei que seremos sempre como um pólo magnético a remexer a Terra, seremos relembrados pela noite que nos uniu, pelas estradas das ruas onde passámos e soletrámos idiomas, pelo rio que sorriu para nós, pelo frio que nos uniu as mãos e pelo beijo gravado no nosso peito. Tal como o rio contorna os obstáculos, também a nossa conexão não conhece mapas. Somos a prova de que linguagem do coração é a única em que somos conhecedores inatos. Em ti descobri a verdade acerca do amor e da humanidade em se estar presente. Não se questionou a continuidade, não se exigiu cobrança, apenas se sentiu a saudade. Fomos como dois cavalos soltos que exteriorizaram a sua liberdade, mas nunca o seu propósito. Não procurámos definir, mas sentir. Fomos como um jardineiro que cultiva a terra ao invés de esperar pelas rosas. Florescemos por destino e não por intenção. Brotámos em segredo e ao sabor de uma terra nutrida e não ao sabor da carência de querer florir forçosamente. Fomos como uma inesperada erva daninha num jardim requintado, onde o maior requinte foi o da nossa magia. Não fomos plantados, mas fomos abençoados. Tal como eu não te procurei, apenas te encontrei. Hoje não existe medo da distância nem da ausência de sentimento, apenas medo de não existir mais um dia para poder saber notícias tuas. Gostar de ti é apaziguador porque me permites ser quem sou, sem me sentir projetada em tectos de expectativas ou em ideais descartáveis. Nada em nós foi efémero. Senti a essência entre dois corpos que não souberam ser voláteis, entre duas mentes que não souberam ser rasas, em redor de uma só vontade de querer ficar. Quem quer ficar, sempre fica mesmo quando parte. Jamais haverá despedida para quem pertence a um lugar. Mesmo distante dás um brilho aos meus olhos e um motivo ao meu sorriso. Hoje somos como aquele pergaminho que navega pelo oceano numa garrafa fechada, que desconhece fronteiras e etnias e prefere conhecer somente o habitat do seu coração.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa