Mal entendido


Foi tudo um mal entendido. Julguei que o amor fosse como aqueles contos de infância em que não se questionava a reciprocidade nem se doseavam as personalidades. O amor não é como aquele jogo do galo que todos sabem jogar, é sim uma equação complexa. Existe um conflito emocional entre géneros. A elas ensinam a conquistar o mundo, a eles ensinam a construí-lo. Quem constrói tem um objetivo claro e convicto, cujas ferramentas racionais permitem uma visão concreta do mundo. Quem conquista é quem explora o seu próprio interior, quem se depara com algo chamado sentimento, cujas ferramentas emocionais levam inconsequentemente a uma visão do mundo mais abstrata. Elas são encalhadas ou viciadas em trabalho se chegam aos 30 sem ninguém, já eles são independentes e emancipados. Todo o mundo compactua com a fragilidade da mulher e acredita que a do homem só existe por sua própria opção, como se ser mulher fosse não ter livre arbítrio. Não é fácil ser mulher e eu julgava que sim. Foi tudo um mal entendido quando acreditei no amor e na igualdade do ser humano. Julgava que nos bastava ser apaixonantes e viciantes, quando percebi que o vício da sociedade está em conquistar as pessoas erradas. Todos nos tentam ensinar a lidar com a maldade e com o caráter dos maus, mas ninguém nos ensina a lidar com os bons, a amar os bons. O ser humano sempre foi um péssimo jogador no jogo do livre arbítrio. O lema sempre foi amar a rebeldia e o fruto proibido, amar todas as premissas que nunca tivemos dentro das portas de nossa casa, quando o teoricamente correto deveria ser alguém digno de entrar nessas mesmas portas e compreender o contexto do nosso seio familiar. Mas não, nós sempre desejámos pessoas das quais a nossa vida efetivamente não precisa. Sempre confundimos a necessidade com o instinto. Foi tudo um mal entendido. O amor é um mal entendido. Sempre se ama o impossível. O amor é egoísta porque preferimos amar do que ser amados, preferimos ser detentores desse dom sozinhos. Mas como se ama após sucessivas rejeições? Como se apaga a quebra emocional que está recalcada no inconsciente e nos trava como reféns de um vulto chamado passado? Como se transforma a admiração em amor? Como se alinham os astros da dúvida e se constroem planetas com a rotação dos nossos sonhos? Porque não somos reproduções fiéis daquilo que idealizamos? Este mal entendido, esta incoerência, não é mais do que a busca inalcançável de um príncipe que apareceu mas que não foi amado por nós. Como se a nossa individualidade voltasse a ser, agora, um porto seguro. Como se ser solteiro se tornasse numa bóia de salvação em que ganhássemos aversão a relacionamentos. Como se fôssemos a linha infinita do horizonte, com metade sonhos, metade marés tempestivas. Foi um mal entendido sonhar com príncipes que nos viessem bater à porta, quando a nossa falta de amor até com o toque na maçaneta poderia embirrar. E pessoas intensas geram espetros opostos de expectativas. Se amamos demais, o outro ama de menos aos nossos olhos, mas se não amamos passamos a sentir que o outro ama de forma excessiva. O amor é um mal entendido. E foi um mal entendido acreditar que bastava alguém se apaixonar de verdade e esquecer-me que é igualmente importante alguém que me faça também sentir apaixonada. É um mal entendido negligenciarmos o nosso papel de conquista na vida. Nós, mulheres, se fomos desenhadas para conquistar o mundo, então isso será o mínimo que poderemos fazer. 

Comentários

Zaask

Escritora e Fotógrafa