Síndrome do compromisso


Vivemos numa sociedade amorfa na forma de sentir, de chegar, de conquistar. Cada vez mais conhecer alguém faz parte de um processo lento e paciente porque a qualquer momento surge um estúpido obstáculo que prova a efemeridade das coisas. Não porque a distância seja uma centena de quilómetros, não porque as personalidades não sejam compatíveis, não porque exista um choque de idades e gerações, mas porque a pessoa que te conhece já trás pré-estabelecido um obstáculo teatral para o caso de querer fugir e ter um pretexto. Como se viessem passear por um belo jardim mas trouxessem uma arma escondida para o caso de algum espinho os picar. Como se o caminho a percorrer enquanto se conhece alguém fosse um túnel escuro para o infortúnio. E é no meio de todo este amorfismo que percebemos que esse processo longo e paciente, no fundo o processo normal e natural, nunca irá acontecer. E no meio deste processo existem pessoas apaixonadas e intensas, que são todos aqueles que precisam de amar. Amar para essas pessoas é como uma bóia de salvação. E o que acontece é terem de decidir entre lançar-se num caso temporário ou render-se à síndrome do compromisso, sendo que a primeira leva à segunda. Casos temporários todos sabemos que são como farrapos ao vento. Despertam sempre uma paixão numa das pessoas e termina com um game over que já estava destinado a acontecer. Como pode existir uma real entrega quando sabes que amanhã irá acabar? Terão as almas prazo de validade? Pode ser profundo mas trás consigo o travo amargo da não continuidade e a dor de pensar que tudo foi em vão porque estava programado para o ser. No entanto, todos sabemos que é impossível assumir algo sem antes ter uma primeira abordagem, um primeiro contexto. Mas é perante essa não continuidade que as pessoas desesperam e sofrem da síndrome do compromisso. Tenham as pessoas embarcado na aventura temporária ou não, a natureza vai ser sempre essa, a de em algum momento querermos deixar de ser voláteis quando a juventude já o começa a ser. Passamos a deambular cheios de dúvidas e critérios, mas sem vontade de explorar pessoas vazias. Tornam-se pessoas muito seletivas mas que se entregam demasiado para quem cumpre os requisitos. Mas a crise desta síndrome está em se apaixonarem mais pelo rótulo do namoro, pelo estatuto do compromisso, do que pelo ser humano por detrás disso. Caímos no inocente erro de ver a pessoa quase como um objeto de supermercado, como um produto pronto a levar, e esquecemo-nos que esse ser humano é passível de ser construído e que também tem o direito de te construir. Esquecemo-nos desta partilha mútua que vai além do "chegar e levar", queremos uma imensidão sem lutarmos por ela. E porquê? Porque muitos provaram da imensidão que nós fomos sem lutar por nós. Porque dar certo durante umas semanas não é lutar, é apenas aproveitar a junção de duas solidões que querem ser partilhadas. Esta síndrome não é mais do que uma sequela. Não é mais do que uma teia de erros em que nós fomos considerados esse erro no passado dos outros. Ficamos prostrados a ver a montra das virtudes, o catálogo dos supérfluos detalhes e acabamos por estar a retirar dimensões daquilo que o amor deveria ser. Deixamos de nos apaixonar por todos os prismas da pessoa para agarrar apenas o prisma do compromisso e é essa a segunda crise desta síndrome: reprimimos a nossa habitual intensidade de amar. Deu errado tantas vezes em que amámos que agora tentamos não amar tanto e adotamos essa lista mental, esquecendo-nos de que nunca nos vamos apaixonar pelas qualidades e infelizmente nem pela forma como somos tratados, mas pela química inexplicável que nenhuma receita de defeitos saberá explicar. Mas tentemos entender que esta síndrome advém de descartes passados, de pessoas que só quiseram estar de passagem e, para que os apaixonados tenham algum tipo de garantia que os conforte, eles idealizam numa questão de segundos o que é namorar com aquela pessoa e enquanto conhecem pessoas não conseguem descolar a ideia sonhadora de um possível relacionamento. É essa a natureza de quem sofreu no passado e de quem só quer provar do sentimento recíproco de fieldade. E há medida que esse conceito de amor fica mais distante, essa síndrome afirma-se cada vez mais e existem picos de insegurança e de falhanço interior, picos em que a identidade se anula. Contudo existe pureza nesta síndrome, existe humanidade no coração destas pessoas. São aqueles que reprimem a sua vontade de falar em relacionamentos assumidos, mesmo sabendo que o enorme amor que têm para dar sustentaria fortemente uma relação. E custa viver nessa luta contra si mesmos. Vivemos num mundo em que é perigoso dizer que se abdica e se prioriza, ainda mais perigoso dizer que se adora ou ama, sendo que o maior perigo é dizer que é para sempre. Embora o "para sempre" seja a palavra que mais querem gritar e gravar no seu corpo, não podem verbalizar porque há seres humanos insensíveis que fogem de tudo o que seja sinónimo de tempo. Vivemos numa Era em que amar é como atirar granadas. Amar afasta as pessoas. A dedicação é como uma responsabilidade tóxica que os outros sentem. Querer cuidar nesta sociedade não significa carinho e proteção, significa afronta, significa um abafamento de sentidos. Quem sofre da síndrome do compromisso é quem quis amar e percebeu que isso cansou as pessoas e, hoje, vive cansado de si mesmo. Esta síndrome é um mero ricochete dos sentimentos errados que pessoas alheias sentiram em relação a nós, é uma ação-reação cruel e que destrói a nossa esperança de sermos felizes. Faz-nos crer que amar é como estar doente do coração. É ser-se anormal num mundo em que todos acham que o amor está na quantidade e não na qualidade. Porquê que dizem teoricamente que amar demais é abafar as pessoas? Quem disse que se pode amar de menos? Ou se ama ou não se ama. Como se consegue ser menos numa sociedade em que somos forçados a ser de mais em tudo? Nenhum livro nem nenhum seio familiar nos ensina concretamente a amar e muito menos a amar pouco. Um sentimento tão puro não pode ser doseado, tem de ser intenso. Vivemos em cidades repletas de betão, em metrópoles cinzentas em que nenhuma dessa emancipação do Homem e da industrialização teve rédeas e controlo. Então porquê haver rédeas no amor se ele é o único que nos permite respirar algum ar puro? Porquê que estamos a construir um mundo adverso ao amor em que assinas um contrato assinado pela dor? Porquê?

Comentários

Enviar um comentário

Zaask

Escritora e Fotógrafa