Direções


No comando da vida existem direções às quais chamamos de destino mas por vezes apenas existem decisões sensatas que tomamos. O rumo da nossa maturidade é, muitas vezes, uma necessidade que vemos mascarada de algum tipo de espiritualidade acima de nós mesmos. Mas os novos objetivos que traçamos e as novas ruas que pisamos são, na verdade, uma continuidade de nós que sempre esteve ali a albergar pessoas decididas. A vida é uma passagem atribulada onde nos acrescentam e roubam independência e nenhuma prioridade é definitiva, porque o amor, o rumo profissional, as perdas e os projetos não planeados tomam as rédeas do desconhecido. A alma fica sedenta de mudança. A tristeza apodera-se mesmo nos sítios onde já foste incansavelmente feliz. Resta a gratidão e o respeito, mas os sonhos são agora outros e novos patamares têm de surgir. É fácil esconder sentimentos num mundo em que todos usam máscara e se seguem como rebanhos. Difícil é mostrá-los à flor da pele. Considero um ato de muita coragem quem escolhe mudar de rumo, deixando para trás tudo aquilo a que se chama de vida. Chegou a minha hora. As amizades, as risadas nos jantares de casa, o asfalto pisado pela rotina monótona, os trajes académicos, os fados a anoitecer os dias e a acordar os sonhos, a magia da tradição, a família reunida nos cortejos, os batismos no mondego, o arrepiar do choro pelas desilusões ou pela saudade, o entardecer nas fachadas de pedra, os ventos forasteiros e a chuva tempestiva. Avizinha-se o momento em que tudo se tornará apenas uma memória. É uma decisão com mágoa, mas com determinação e vontade de crescer. Dificilmente novos rumos irão ser tão construtivos como aquilo que passei, pois só a minha cidade mãe é que teve o privilégio de me ver crescer e o requinte de me abraçar nas madrugadas adolescentes em que tanto duvidei da força do amor. Lá acreditei no amor, porque não poderia chamar outro nome ao que senti e sinto pela cidade. Aplaudo-te pela tua história, pela tua grandiosidade, pela tua ousadia em conseguires transformar meninos e meninas em homens e mulheres com um mundo aos seus pés. Obrigado! Chegou a minha hora. Olho com ternura para o futuro porque sei que levo comigo este porto seguro de memórias. Memórias essas que são a minha identidade que provam que existi e que, hoje, existo. Deste-me os alicerces que precisava e, agora, no topo da montanha receio que os possa perder por falta de estímulo, por falta de um ritmo que somente a adolescência poderia acompanhar. Sinto-me portadora de um espírito demasiado abrangente e maduro, tudo aquilo que já não encontra sintonia em mentes desgarradas e que procuram a bebida para afogar a solidão. Já não pertenço a este ciclo de desapego, a esta aventura sem destino emocional, a esta montanha russa de fofocas e pódios de vaidades. Agradeço sobretudo por me teres esculpido nas arestas certas e nunca teres alterado a minha essência. Levo um oceano de experiências e fugas à minha zona de conforto, mas levo comigo a dignidade de continuar a pertencer ao meu conto de fadas porque tu, cidade, soubeste fazer parte dele. O que aparentemente seria um erro, tornou-se numa gigante lição que um dia contarei aos meus filhos, pois ninguém precisa de livros emocionais quando passa por uma cidade como esta. Chegou a minha hora. Preciso de mudar a linha de comboio sem que isso implique descarrilar. Quero traçar novos rumos mas levar-te com felicidade, com alento e tranquilidade. Foram cinco anos de capítulos profundos, ora doces, ora amargos, ora curtos, ora longos, ora conclusivos, ora duvidosos, mas eternos enquanto duraram. Senti tantas vezes que essas ruas eram minhas, tu fazes-nos sentir protagonistas do teu pôr do sol, da tua arquitetura e dos teus sonhos. Pode ser cliché um caloiro dizer que é a cidade que nos constrói e que irá deixar saudade, mas deixa de o ser quando é dito por quem abandona a cidade. As nossas emoções são postas à prova e por detrás de tanta folia existe um contexto que toca nas entranhas do teu caráter. No meio de tanta festa e pessoas novas, mal te apercebes que a cidade já te está subtilmente a moldar e a melhorar. Chegou a minha hora. Tudo o que vale a pena é efémero porque a própria vida é efémera. As etapas fazem parte do percurso natural das coisas e mudança é sinónimo de ambição e de metas mais promissoras. A coragem de possuir um sonho só faz sentido quando o tornas fisicamente palpável. Chegou a minha hora. Digo isto sentindo tamanha contrariedade e convicção, um misto de sensações. Obrigado à cidade académica, mas terei de partir. Que nunca te esqueças daquilo que vivi contigo.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa