Ser-se Mulher


Ser mulher não é sofrer, não é sair magoada, não é ser rejeitada. Não nos resumimos a um desejo carnal nem a uma loucura correspondida no primeiro encontro. Somos a face intelectual de um homem, o vértice sentimental que eles procuram e a humanidade que eles precisam. Se, por vezes, somos o descarte do seu passado, certamente que ocuparemos a certeza do seu futuro. Não somos dependentes de um possível público alvo, somos autênticas, sabemos ser nós mesmas. Ser-se mulher é ser-se paciente, é acreditar no alinhamento dos astros, na intuição de sermos felizes com quem nos oferece reciprocidade. Ser-se mulher é encarnar um furacão sentimental e uma eterna ânsia de correspondência com o mundo. Isso não é ser carente, é querermos conhecer-nos a nós próprias porque o caminho de volta a nós mesmos só é trilhado pela passagem de muitas pessoas na nossa vida. Ninguém sabe nada sobre si próprio se viver em eterna solidão, porque o debate surge no nicho humano, a aprendizagem nasce do confronto da sociedade. Ser mulher é ser o ser social que define o ser humano, porque na humanidade nós, mulheres, sabemos sê-lo por inteiro, e termos coragem de enfrentar um ser humano com a arma do amor é como ir à guerra e trazer a certeza de que se perde, no entanto, não deixar nunca de procurar a arma genuína do cupido. Mas a resiliência e a força de viver ganha ênfase em cada derrota e quando uma mulher escolhe outro caminho, nunca mais voltará atrás. Contudo, a verdade crua e dura é que apenas somos vangloriadas quando realmente acolhemos muitas vitórias, mas criticadas perante a mínima falha. Somos robots sentimentais da sociedade talvez porque a natureza nos deu demasiados dons, nomeadamente o de gerar a vida. Mas essa plateia de pessoas que tanto espera que erremos são muitas vezes irrelevantes para nós. Há um domínio de força que nos dá vida, há uma mensagem de esperança que todas cremos que existe dentro de nós. Acreditamos no divino, no impossível, no imaterial, e é essa dimensão que faz de nós mais do que um corpo. Creio que o verdadeiro homem é aquele que para tocar numa mulher não precisa de tocar no seu corpo. Nós preferimos responder à vossa delicadeza verbal do que às vossas hormonas. Entregamo-nos nunca apenas superficialmente porque ambicionamos descobrir a essência humana que nos conquista, as pretensões dos outros, aquilo que os move, as origens das suas escolhas ou o porquê da frieza das suas palavras e da sua ausência. Porquê que só nós aprendemos forçosamente o caminho da resiliência na luta contra o silêncio? Porquê que só nós aprendemos a lidar com a dor de esquecer alguém? Parece injusto quando somos obrigadas a aceitar, mas creio que é uma dádiva estas lutas só nos pertencerem a nós, mulheres. Somos a alavanca do sonho, mas rainhas da resiliência. Por vezes podemos ser quem preenche o lugar vazio da agenda dos outros, quem aparece meia hora antes do previsto no café do costume, podemos ser as que mentem para ter um pretexto para ir à estação de comboios e ver o outro partir por mais que nos doa, as que acordam a acreditar que o carinho dos outros vai ser constante no tempo, podemos ser as que atendem sempre as chamadas de emergência, as que têm a paciência e a sensibilidade para acatar os defeitos do outro, podemos ser as que não estão em primeiro plano e podemos até ter a certeza de que não somos uma prioridade, mas temos um dom: de saber sentir. Lutamos enquanto a palavra força fizer sentido, mas tal como sentimos a euforia de amar, também um dia sentimos a liberdade de esquecer. E no dia em que todos acharem que ainda estamos a ser orgulhosas, apenas estamos felizes e recuperadas. Não significa que apenas nesse ponto exista amor próprio, porque eu creio que quando nos permitimos apaixonar e navegar por toda a jornada do amor, é quando nos amamos também. Abrir portas ao coração é querer estabelecer conexão com o mundo, é construir um espaço comum com o universo e isso significa muito amor próprio. Desde que essa paixão não atinja uma loucura descontrolada, ao ponto de nos esquecermos de nós, eu acredito que todo o amor que transbordamos para o exterior é apenas um rasto do enorme amor interior que possuímos. Isto é ser mulher.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa