A beleza do fracasso


Alguém que nunca tenha sofrido, terá sido realmente feliz? 

Quiseste o inferno em vez de mim. Quiseste as migalhas ao invés do que eu poderia nutrir por ti. Quiseste o vazio emocional do que uma alma preenchida. Trocaste um grito de liberdade por um silêncio de impotência, trocaste o estímulo sedutor dos teus abraços por um olhar desprovido de vida, trocaste a beleza do teu futuro pela droga do teu passado. Preferiste ser mais um descrente do amor do que aquele que o poderia consumir. Preferiste uma carta anónima do que um um beijo no teu travesseiro. Preferiste ser mendigo quando poderias ser rei. Percebi que mesmo escrevendo num muro da rua algo idiota e cliché sobre o amor, que isso se reduz a um trivial pedaço de cimento para o qual ninguém olha enquanto espera por algo. Não por falta de destaque ou de esforço por quem o escreveu, mas pela invisibilidade emocional que habita no mundo. O amor passa despercebido porque poucos são os que o alimentam. Como é tão incoerente vermos esse foco de carne e osso e tê-lo como a nossa armadura quando na verdade é a nossa maior fraqueza. Amar é ser fraco. Tão incoerente idealizarmos algo para nós e abandonarmos todo e qualquer critério para passarmos a idealizar a pessoa que amamos. Onde fica esse ideal no meio disto tudo? Perdemos a nossa capacidade de decisão, perdemos o discernimento, e amar talvez seja isso mesmo, perder. Mas a verdade é que também enquanto rastejamos estamos a perder batalhas dentro de nós: as da dignidade. Inicialmente somos lutadores que defendem o amor e, depois, somos como restos de espadas caídas, como destroços de uma qualquer guerra mundial que não deixou memória nas páginas da história. Sei que falhei ao gostar de ti, errei de cada vez que coloquei as tuas vontades à frente da minha ânsia de ser feliz. Anulei-me. E foi aí que começou a minha jornada do fracasso. Contudo tomei o meu tempo, cuidei dos meus sentimentos, chorei para poder ter um mar para navegar pelo barco das minhas emoções até chegar ao horizonte da consciência e amadurecer a ideia daquilo que quero para mim. Tentei reagir, sim, porque reagir é estar vivo. Quando ninguém entendia a dimensão da minha dor, afastava-me silenciosamente. Não para os lençóis da mágoa, mas para a ilha de paz criada por mim. Ficar parado é dialogar com a dor, é fazer do nosso sofrimento o nosso único propósito de vida e criar uma dimensão ainda maior para os nossos medos. Percebi que viver feliz sem algo que no passado nos pertenceu é uma vitória, mas perceber que valemos muito mais do que aquilo que nos pertence é ainda mais glorioso. Percebi que amar é importante, mas sofrer é fulcral porque a dor é a aceitação de algo e só quem não aceita não sofre. Percebi que o sofrimento é sempre visto como um desfecho, mas podemos vê-lo como o impulso para um próximo caminho a seguir. Precisamos de banalizar a palavra fracasso e aceitá-la como algo belo. Devemos sentir-nos sortudos por errar, porque mais do que uma aprendizagem é um trilho que foi desvendado, um enigma que foi descodificado e uma mudança de rumo mais convicta. Como li por aí numa revista, "o fracasso não é cadastro, é currículo". Percebi que sofrer é uma consequência da nossa luta pela vida e da humanidade que existe dentro de nós, que albergar tanto amor e tanta dor só afirma o enorme espetro sentimental que temos o privilégio de possuir. Percebi que se há tanta coisa a passar-se dentro de mim, como posso eu não ser importante? Tudo aquilo que é insignificante está parado no tempo, não pensa, é amorfo na sua interação com o mundo. E quando eu sinto um turbilhão de dúvidas, angústias, desilusões, isso é estar vivo! É estar a arrebatar o campo emocional, é estar a desativar minas dentro de mim. E aí percebi que o fracasso se torna uma aparição quando começas a chamar-lhe de coragem, essa espécie de luz efervescente que mora no teu coração a tempo inteiro, mas que só explode quando mais precisas de a ver. Confundimo-la com dor e injustiça, mas talvez ela seja apenas a tua alma e o que faz de ti a pessoa especial que és. São os raios da tua existência, a flecha da tua ambição. O tempo cura tudo, mas não quando não começamos por criar essa cura dentro de nós. O cérebro é forte, basta que o alimentemos. Sê livre emocionalmente e não pintes os teus passos com a tinta do romantismo. Questiona-te, interpreta-te e transforma um "preciso de ti" num "preciso de mim". Descobre o teu valor no momento em que a outra pessoa o deixa de conhecer, porque enquanto o outro leva consigo insensibilidade e frieza, tu podes ganhar amor e cal. Encontrei-os nestas entrelinhas e continuarei a encontrar de cada vez que escrever para desmistificar medos, nomeadamente o de amar. Dizem que os poetas enlouquecem, mas a escrita é a cura, não a doença. O poeta conhece a loucura por ser detentor de sensibilidade, mas louco é quem abandona, quem permite que o outro sofra, e nunca quem procura a cura da rejeição. Se um dia fores o protagonista de um poema sobre amores levados pelo vento, lembra-te daquele muro escrito e sedento de calor humano para o qual deixaste de olhar ou talvez nunca tenhas olhado. Lembra-te sobretudo que foi por nada esperares que algo surgiu. 

Comentários

  1. "Quando ninguém entendia a dimensão da minha dor, afastava-me silenciosamente. Não para os lençóis da mágoa, mas para a ilha de paz criada por mim."

    Lovely quote! *-*

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Zaask

Escritora e Fotógrafa