Telhal 2018

Telhal: o sítio onde não é preciso champanhe para festejar, onde viver se torna leve, onde se aprende a abraçar e o sítio em que descobres que és um ser humano

Desde a saída de casa que a ansiedade percorre a estrada até Sintra. Olhamos em vão pela janela do comboio e começamos por sentir que aquela imensidão de telhados quentes será sentida no quadrante sentimental e interior humano. Vamos percorrer as nossas próprias estradas das emoções e navegarmos sem medos pelas nossas inseguranças e ambições. É então que se despoleta novamente aquele remoinho de quem entra num mundo novo e de quem sempre é brindado com alegria. Não somos brindados por termos realizado grandes feitos nem termos ganho a lotaria, mas por sermos seres humanos. Essa é a maior premissa do Telhal e a única que nos faz criar empatia com todos. Reconheço que saímos sempre melhores seres humanos do que no momento em que entramos. Entramos viciados no stress da rotina, com aquela dependência dos temas da sociedade e aquele refúgio nas tecnologias, até que percebemos que existe muita vida para além do nosso casulo ou dos tabus que inconscientemente nos transmitem. O caráter humano ganha ênfase e a sensibilidade de saber lidar com o outro começa a florescer dentro de cada um de nós mas, principalmente, a sensibilidade de existirmos. Não termos pena de assistir a um pedido de ajuda, mas sermos gratos por existirem mãos prontas a ajudar, por ver jovens a acreditar na existência daqueles doentes. Sou grata por aquele doente ter recorrido a mim, ter pedido que eu voltasse ou ter-me escrito um poema, sou grata porque ele me sorriu, me estendeu a mão ou porque decorou o meu nome, sou grata porque, independentemente das suas fragilidades, existiu uma forma daquela pessoa chegar a mim e, principalmente, vontade de chegar àquilo que sou, sou grata por entender a dor deles porque a dor é universal e todos nós já a sentimos, sou também grata por sentir o amor que eles têm para dar que chega a ser bem maior do que o amor que nós levamos a eles, sou grata por ter a oportunidade de entrar no mundo deles e tentar compreender sentimentos de solidão, exclusão ou compaixão, sou grata por ali estar e por saber que o mais pequeno gesto é ampliado em riqueza sentimental. Como sempre, aprendi a virar-me para o mundo com olhos sem preconceito, aprendi a falar com o coração e a integrar um idioma que tanto fala sobre fé e felicidade. Não se trata de quantificar o que temos ou de avaliar o sítio onde estamos, mas de alimentar o que somos. Investir em cada essência e entender que cada um de nós tem o seu palco da vida, a sua ribalta e o seu fracasso, mas nunca deixando de ser o protagonista e nunca deixando de entender que falhar é a primeira alavanca para a concretização. No Telhal percebemos o quão vulgares somos, quão pequena é a nossa dor e imenso é o nosso egoísmo. Conhecemos pessoas que não olham para o mundo com lentes tóxicas, que não julgam nem conhecem hierarquias. Apenas vivem e sorriem. Não projetam atitudes calculistas para chegar ao outro, apenas abraçam e conquistam os corações. Não seria esse o segredo para um mundo de paz? Eles são felizes apenas por sentirem a vida neles. A respiração dos seus pulmões e o bater das suas veias fala-lhes sobre vida e essa é a linguagem mais pura. E tão pouco que nos parece somente viver, porque muitos de nós apenas sobrevive. Mas esse é o primeiro impacto e julgamento, o de reduzirmos a vida ao espaço físico ou condição psicológica que os envolve. Mas a vida não tem fronteiras e para sonhar basta um jardim. Não importa o tamanho do nosso quarto ou a roupa que vestimos, porque quando fechamos os olhos o nosso mundo estende-se para o universo e todas as barreiras do materialismo se quebram. Triste mesmo é sabermos que precisamos de dormir para conseguir sonhar, quando eles o fazem de olhos abertos e a tempo inteiro. Eles são como uma ponte para nós mesmos e que nos leva de volta ao nosso eu, outrora escondido, outrora recalcado, outrora ignorado ou mesmo desconstruído. Chegamos ao Telhal a julgar-nos preenchidos e completos, mas quando saímos percebemos as lacunas e os vazios que em nós existia. Se antes achávamos que éramos valorizados era porque nunca nos tinham olhado com olhos de emoção como aqueles utentes nos olham, se achávamos que um abraço era sinal de cumplicidade depois percebemos que um abraço é um mundo mágico de partilha sem que tenham de existir palavras, se antes dar a mão só fazia sentido entre casais depois percebemos que significa um caminhar ao lado do próximo, uma afirmação do sentido que damos aos nossos passos e à nossa hospitalidade. Se uma mensagem de telemóvel tem tanto valor para nós, qual será o valor de uma carta escrita por quem não escrevia há anos? Se as sapatilhas novas que temos nos faz sentir tão especiais, qual será o nível de exclusividade para quem te oferece a pulseira que usou durante anos no pulso? Num mundo de tantos "gosto de ti" tão pouco sentidos por quem o pronuncia todos os dias, que valor terá um "não te esqueças de mim" dito por alguém que vive numa cama? Incalculável. A verdade é que às vezes o nosso próprio projeto de vida está tão árido e tão esquecido como os sonhos daqueles utentes, mas é igualmente verdade que às vezes os apagados somos nós. Embriagados pela monotonia, crentes apenas no que é palpável e apáticos perante novos estímulos. Julgamos que vamos levar amor até eles, mas aquele que trazemos é bem maior e mais sólido. Cabe a cada um de nós alicerçar as premissas do amor. Fazer sentir o próximo como o rei da sua história, que tem na sua posse todos os seus sonhos e que sempre existe uma plateia que anseia a sua felicidade. Mas lembra-te que a maior plateia da tua vida és tu próprio e a que real felicidade nasce dentro de nós.
Depois o Telhal acaba... Surge uma absurda anestesia que se reflete numa crise de identidade alucinante e estranha. Mas é aí que começa o desafio! A queda que damos do Telhal para a realidade representa a verdadeira expressão de "cair em ti próprio" e reflete exatamente o abismo em que vivias e o vazio emocional que inconscientemente tinhas antes desta experiência.
Só sabe quem por lá passa.

Até já.

Comentários

  1. De facto só quem por lá passa, tem a capacidade para entender... eu já por lá passei! Aliás, nestes mesmos dias! Ao sairmos refletimos aquilo que verdadeiramente nos move, o que afinal faz sentido nesta caminho a que chamamos vida. Mas eu ao sair, penso, sim ... mas não consigo explicar, talvez por achar que não existem palavras possíveis! Mas tu aqui arranjaste as, e da forma mais verdadeira, humilde e bonita possível! Descreveste exatamente aquilo que nunca fui capaz. Adoro o Telhal, e ver o carinho com que é descrito por aqueles que o vêm com os mesmos olhos que eu, enche me o coração! Obrigada por me deliciares, e acima de tudo por me fazeres refletir com as tuas palavras tao cativantes e verdadeiras! Adoro♥️

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    1. Associar a escrita a uma das experiências mais marcantes da minha vida é aliciante e, ainda, encontrar pessoas como tu que são a continuidade daquilo que eu senti na pele e no coração, é sublime! Obrigada por leres e te reveres, obrigada.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa