Desconexão com o mundo



É mais do que uma fase de apatia. Mais do que uma crise de identidade. É uma desconexão com o mundo e com as pessoas. Não apenas pela presença hipotética de alguém na nossa imaginação, mas pela descrença no mundo e na pequenez da nossa existência. Contudo, a desconexão não tem necessariamente de nos diminuir, mas faz-nos sentir absurdamente diferentes, dramaticamente sensacionalistas e com pensamentos energéticos que nos desgastam. Sentimo-nos sós. Com tanto para dar às pessoas mas falta de ferramentas para chegar a elas, ou elas para chegar a nós. Quem estará certo? A maioria invasiva ou uma minoria introspetiva? A evolução sentimental entre o espaço e o tempo daria uma atribulada curva estatística. Começamos sempre por ser felizes na ignorância do começo da vida, mas trata-se de uma felicidade ingénua sem que saibamos o que existe para além do véu da inocência e da existência. Depois despertamos no nosso corpo novos sentidos e novos conceitos de se ser feliz, até que chegamos a um auge fictício de felicidade que julgamos ser proporcional ao número de pessoas que conhecemos ou espaços que frequentamos. Percebemos que tantos vivem enclausurados com medo de viver, medo das pessoas, medo das experiências, e nós conseguimos remar contra isso e colecionámos histórias e um universo de conhecimento. Verdade. Mas chega o momento em que essa rotina estimulante assume os contornos de sentimentos monótonos e vulgarizados e torna-se urgente procurar novos estímulos, outra visão, outro patamar. É nesse contraste que reside a desconexão. Como se a semente da incompreensão tivera sempre existido mas agora brotassem ramos de penumbra com raíz na dor. Como se a toxicidade desta dor fosse adubada pela sociedade na medida em que é ela que nos potencia o afastamento do mundo. Mas não será ela que nos afirma a proximidade a nós mesmos? Se eu fosse mais uma cópia, teria a sensibilidade de me sentir diferente? De que forma é que eu questionaria o meu eu? Reduzia-me à existência cronológica de um calendário. Como um fantoche que entra em cena e se sujeita à manipulação. Ser-se diferente é ser-se sensível, é sentir a vida nas mais pequenas coisas. Creio que a desconexão não passa por perder essa sensibilidade. O cerne preside aí mesmo. Sei que continuo atenta ao mundo, mas com um olhar que perdeu vida. Chamo-lhe desconexão como poderia chamar de afirmação de mim mesma, porque o afastamento com o mundo nasce da certeza de quem eu sou. Da certeza de que constituo uma ilha de sonhos, um oásis incompreendido. A dor surge por não encontrar uma continuidade de mim, pela solidão me levar à própria descaracterização, por não existirem palavras para explicar o espetro sentimental que me domina nem corações aptos para o entender, por não querer o senso comum mas procurar a alma num mundo tão sedento dela. É como se a vida fosse uma incessante busca pelo vazio. Mas depois surge a natureza como um grito recíproco de pureza, algo que não precisa de ter voz para assumir a minha linguagem. Nos dias em que o meu olhar perde vida pelo desgaste da monotonia, sinto-me egoísta por não valorizar convenientemente a beleza do simples e do singelo, mas a natureza lembra-me da única beleza que é importante: a de existir. Porém, na rotina de asfalto e estradas quentes resta-nos pouco espaço e tempo para a magia da vida acontecer. Talvez basta que esse mágico turbilhão emocional exista dentro de mim. Será? Se sim, que sejamos uma jangada de sonhos e que nunca percamos a coragem de remar ainda que as ondas não rimem com a nossa forma de estar na vida. Mesmo que a maresia não entenda porque carrega essa jangada, não percas tempo a provar quem és, tenta apenas ser e fazer acontecer. E lembra-te que cada alma que convertes com a tua mensagem é como um filho que trazes ao mundo.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa