Não existe amor próprio

Alguma vez te questionaste sobre o que é realmente o amor próprio? Eu creio que ele não existe. Pode parecer radical, cruel e destruidor, mas ele efetivamente não existe. Não se trata de gostares daquilo que o teu espelho reflete, porque na verdade o amor próprio deveria ser muito mais do que estética, e mesmo que admires a tua imagem e te sintas um detentor de beleza, isso impede que te sintas tantas e tantas vezes um lixo? Mesmo que racionalmente gostemos da pessoa que somos, dos nossos princípios e do nosso interior, isso não impede que sofras e que te rebaixes perante os outros. Onde fica o espelho de todas as tuas manhãs no meio disto? A sociedade está a canalizar as relações humanas para uma questão estética e é aí que o amor próprio descamba. Estamos na Era das montras, montras de lojas e montras humanas, na Era da aparência e da necessidade de usar a beleza como ponte para chegar a uma pessoa. E mesmo que chegue o dia em que a tecnologia permita que entres numa festa com uma placa led ao peito, ou algo do género, a indicar os teus níveis de humildade, honestidade e fieldade, nem aí poderemos falar de amor próprio. Primeiro porque vamos continuar a ser descartados porque essas não são características relevantes para a sociedade que temos, e segundo porque por mais humilde e honesto que sejas o desgaste da vida vai levar a que te sintas um trapo. Sou defensora de que no auge das nossas vitórias aquilo que sentimos é meramente orgulho e felicidade por sermos reconhecidos, não amor próprio. Ninguém é o seu amor da sua vida. Caso contrário a sociedade não nos impunha a ideia de que a felicidade está em encontrar uma cara metade. Ninguém se basta a si próprio e é aí que reside esse preconceito cultural para quem é solteiro. Aquilo que esperam de nós é, inevitavelmente, encontrar alguém, porque é esse o rumo das coisas e não existe outra opção concebível. Se colocassem o amor da tua vida à tua frente e um clone teu, quem escolherias? Logicamente o amor da tua vida, porque a tua alma está enraizada ao teu corpo e forçosamente não te escolherás a ti porque já sabes que vais levar contigo a vida toda. Por isso não me venham falar de amor próprio e a seguir sobre a gigante necessidade de se ter alguém. Não me olhem como uma encalhada quando eu respondo "basto-me a mim mesma". Ou assumem uma coisa ou assumem outra. Depois dizem que estar com alguém não implica falta de amor próprio, que são seres individuais só que a caminhar num caminho em comum. Para rir. Primeiro de tudo, o amor próprio já não existe quando somos solteiros, quanto mais numa relação. Numa relação só existem seres individuais na medida em que não são gémeos siameses, porque há uma grande dependência, ter alguém implica abdicar, esperar que o outro dê a sua opinião, implica repartição, e é assim que uma relação deve ser. Mas basicamente estamos à mercê da pessoa, o impacto das suas palavras e ações é enorme e por mais que me digam o contrário, as aspirações que temos e um pouco da nossa personalidade fica anulada, há vertentes que deixam de ser exploradas porque há passatempos e perspetivas que só temos por estarmos solteiros. Eu acho que o amor deixa a nossa construção pessoal em stand by, porque a paixão trás-nos a ilusão de que gostamos de nós mesmos, quando na verdade só gostamos de nós enquanto formos a pessoa escolhida pela pessoa que amamos. Podemos amar a vida, ser curiosos, viajar, mas não iremos absorver conhecimento com a mesma lucidez, os nossos próprios tiques de personalidade passam despercebidos se também passarem despercebidos aos olhos da pessoa com quem estás. Quando a pessoa nos deixar, retomamos à nulidade do amor próprio que nunca tivémos. Além disso, quando nos separamos de alguém que ainda amamos, nós ainda a queremos com todos os seus defeitos, esquecendo-nos que o maior defeito inclui a nossa própria rejeição. Onde fica o amor próprio no meio disto? Estar solteiro é estar um pouco mais próximo do amor próprio, na medida em que a tua vida apenas depende de ti, és a causa e a consequência das tuas ações e é essa a maior convivência que podes ter contigo mesmo. A independência e os frutos que colhes do teu mérito é a maior aproximação da tua aceitação pessoal. Mas a verdade é que ninguém se basta a si próprio, não sei se por uma questão cultural, genética ou simplesmente hormonal, mas ninguém se ama a si mesmo. Expressar o nosso amor pela vida e pela natureza estará a ser confundido com amor próprio? Uma foto bonita ou uma roupa provocante estará a enaltecer ou a ofuscar o nosso amor próprio? O que é realmente o amor próprio? Como te podes aceitar como és se essa aceitação também depende da aprovação dos outros? Como conseguirás imaginar um mundo de solteiros felizes se a procriação pressupõe por si só um batalhão de pessoas aos pares de mãos dadas? Da mesma forma que é impossível agradar as demais conceitos de felicidade eu julgo que será impossível chegar a esse auge de amor próprio. Acredito no amor pela vida, pelos animais, pelas viagens, pelas circunstâncias especiais da vida. Não por mim. Somos meros expectadores da vida, não os objetos do nosso amor. O nosso corpo é somente a ponte orgânica que o nosso coração usa para chegar ao outro coração. E que pena é os corações nunca se tocarem realmente.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa