PLATÓNICO


Platónico, irrealista, impossível. É tudo aquilo que tu és. E tudo aquilo que me causas será melhor nem descrever. O mundo não estaria preparado para tamanha imensidão. A saudade não estaria preparada para expandir os seus horizontes. A opacidade noturna da cidade não saberia acolher tremenda luz e cor. É no silêncio da noite que te sinto num formato de névoa quase palpável, numa interrogação retórica efervescente e confusa, numa refinada crise de identidade, num vulto elegante que não posso tocar, numa respiração ofegante que não posso ouvir, no rasgo das tuas impressões digitais, no tudo que eu possuí. Tornas a minha solidão aberrante, as minhas noites assustadoras e as memórias de ti tempestades. Cada centímetro de ti é como um suspiro de saudade, de desejo e ambição. O vazio apodera-se de mim e enche-me do nada que nos une. Como pode o vazio ser tão arrebatador? Como pode o nada ser tão dilacerante? Cada pedaço de invisibilidade toma os contornos de uma atração invencível e talvez aquilo que me toca todas as noites sejam esses contornos de expectativa. Não são os teus braços mas apenas a minha vontade de ti. Não é o teu respirar mas apenas o vento forasteiro que me beija a face. Não são as tuas mãos mas apenas o calor corporal a recordar-me da saudade que me causas. É absurda a passagem do tempo, o simples facto de caminhar a imaginar a tua sombra paralela à minha. Evoco o teu esquecimento para que a tua lembrança não me consuma, mas os meus poros não têm amnésia, os meus ouvidos continuam a ouvir a melodia da tua voz, o meu corpo não se esqueceu do aconchego da pauta musical que são as tuas mãos e tão pouco o meu coração deixou de sorrir ao recordar-te. Fui tua. E o meu maior defeito sempre foi o de esperar gestos continuados na proporção com que os entrego. Errei mais uma vez. E mais uma vez a vida mostrou-me que gostar de alguém é falhar redondamente. A reciprocidade deveria ter nascido com o ser humano, a intenção de fazer proliferar sentimentos deveria ser aquilo pelo qual todos lutamos. Navego pelos fragmentos do tempo e por tudo o que me impede de ti. São kilómetros ingratos, estradas tortuosas, distâncias dolorosas. São lágrimas sedentas de ti. Beijos levados pelo vento. Promessas esquecidas. Idealizações postas de parte. Sonhos adiados. Desejos reformulados. Dúvidas eminentes. Indiferença latente. Rotinas sem sentido. Se toda a cidade estivesse preparada para acolher esta saudade, parariam os carros, os concertos, os rios, e a metrópole ficaria imobilizada e reduzida ao seu espaço temporal. Seria expectadora nata do meu desejo e me levaria, através dos ventos, em direção a ti. Iria possuir-te sem obstáculos, sem dor, e o teu beijo deixaria de ser impossível de conseguir. Seria feliz e crente de que vivemos num mundo justo. Mas a maior e verdadeira distância é a ausência de palavras e a frieza de simplesmente existir a ausência, por si só. Gostar de alguém atrai a impossibilidade de o conseguirmos. Talvez haja um certo gosto em sofrer, porque a dor trás-nos a saudade e a saudade devolve-nos os momentos. Não é masoquismo, é paixão.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa