Tempo: o gerador da utopia


Vejo os ponteiros a mexer ao redor de um centro imóvel no espaço e, por momentos, fico como esse centro, escrava daquilo que evolui e espectadora de um relógio. Parada a ver o tempo. Como que a prestar vassalagem à minha indecisão de vida ou a fazer tréguas com a minha apatia. Como se o tempo me trouxesse a definição de tempo. É como uma forma delicada de acreditarmos na utopia. Uma maneira snob de nos agarrarmos a algo volátil. Trata-se de uma nuvem de expectativa tão rarefeita como a atmosfera, na qual depositamos a garantia do renascimento das nossas vidas, o vale das expectativas, o crédito dos nossos sonhos. É essa entrega excessiva ao destino que nos leva a esperar pela redenção, em vez de a criarmos dentro de nós. Tu és o teu destino. Quando se trata do nosso sofrimento não podemos criar essa longa espera, sendo que ela só nos trará de volta à dor e será a loucura a esperar-nos na próxima esquina. Acreditamos que o tempo nos trás sanidade quando na verdade nos tira o espírito crítico. Torna-nos rios à espera de chegar à foz, ao invés de traçarmos o nosso próprio caminho. O tempo é algo tão hipotético. É um tudo de hipóteses e um nada de caráter físico e orgânico. Na verdade, essas hipóteses já tinham sido mais do que isso na tua mente sonhadora. De hipóteses já seriam decisões postas em cima da mesa, ao invés de longas esperas ao sabor da tua almofada. Nada é menos hipotético do que o presente, alimenta o aqui e o agora. Toma uma decisão hoje mesmo. Não encares o tempo como um juiz racional ou emocional. É aí que mora a utopia. Em acreditar veemente que ele nos trará respostas, quando na verdade tudo se resume à tua batalha interior, à forma como acreditas na tua recuperação, à fé que depositas em cada pequena vitória tua. É o tempo que faz brotar a utopia, a ideia de um permanente impossível nas nossas vidas. A raíz da utopia preside numa intensa introspeção e racionalidade, tudo aquilo que contraria o carpe diem. Levamos a vida para o sentido do abismo, da perda de identidade e, sem nos apercebermos, já estamos a criar sequelas futuras que nos farão temer aquilo que virá. A noção de utopia é quase inconsciente e só reside em mentes muito ponderadas, detentoras de algum sofrimento passado e com escudos invisíveis mas que permanecem ligados às suas mentes. O tempo refuta-nos os nossos ideais, acrescenta falácias à nossa respiração e torna os nossos argumentos tão circulares como o nosso planeta. Sejamos protagonistas! Como poderemos entregar as nossas escolhas e redenções a algo tão universal como o tempo? Trata de depositar felicidade em ti mesmo, porque quanto menos universal for o tesouro, melhor guardado será. No fundo, acreditas que estás a a ir em direção à recuperação mas caminhas a passos largos para a decadência de onde começaste a caminhada da resiliência. Regressas ao teu passado de cada vez que alimentas sentimentos que tiveram uma origem passada e que, por não te levar adiante, se torna destruidor. Podemos demorar a tomar decisões e, principalmente, a aceitar a dor, mas que esse seja o único momento de luto, para que o negro não tome o sentido da tua vida. O tempo refuta-se a ele mesmo pelo simples facto de deixar em aberto qualquer uma das possibilidades para a tua vida, como se tivesses nascido agora e as tuas lutas, as tuas vitórias, o teu passado, em nada contribuíssem para a tua história. História essa que é entregue ao vento e escrita pelo destino. É isso que queres sentir? Que em nada contribuis para o teu dia de amanhã? Goza o tempo, mas não te prendas a ele nem por ele. Se por um lado esperamos ver nele a nossa cura, por outro sabemos que nos mutila os sonhos. Mais rapidamente o tempo se torna no limite da tua consciência do que no limite das tuas decisões. O que é o tempo se não um pedaço de existência que usas para alimentar o foco num objetivo? O que é o tempo se não a afirmação de ti mesmo? O que é o tempo se não a soma das tuas vivências e aquilo que escolhes ser em função delas? O clichê do tempo e o não clichê de sermos quem somos: são as premissas cruéis que aqui vos apresento. Mas não tão cruel como navegar pela utopia. 

Comentários

  1. "Em acreditar veemente que ele nos trará respostas, quando na verdade tudo se resume à tua batalha interior, à forma como acreditas na tua recuperação, à fé que depositas em cada pequena vitória tua." tão bom, tão bom, tão bom!

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Zaask

Escritora e Fotógrafa