Sempre que o amor me quiser

Quando surgires estarei pronta para te receber. Prometo não vestir a minha melhor roupa, não criar uma ordem cronológica de acontecimentos, não planear a minha forma de estar. Prometo não gerar expectativas, não esperar pela sorte ao virar da esquina, não tentar adivinhar um possível cheiro de um ramo de flores, prometo não treinar a minha melhor letra para enviar pelo correio, não sonhar com vestidos de noiva, não apreciar tanto o cavalheirismo, prometo controlar a ansiedade, absorver o meu próprio discurso, ter firmeza na voz, prometo não me iludir com uma chegada arrebatadora, não me derreter face ao primeiro olhar, não estar demasiado atenta ao discurso, prometo não tentar sequer perceber se és o tal, porque a magia deve ser mantida e perguntas sem respostas são geradoras de ambiguidade que atenuam o grau de felicidade que poderíamos ter. Não irei ceder à penumbra da dependência, ao conformismo de uma rotina favorável e de um dia 14 de Fevereiro com motivos para festejar. Não irei mudar planos só porque o carro passará a ter mais uma pessoa para além de mim, irei sim acrescentar sonhos. Não irei catalogar-me como mais um cliché de amor que aumente a felicidade dos meus dias, mas como uma história única que melhore o meu conceito de felicidade e me faça fazer juz ao milagre da vida. Não irei sempre escolher os dois braços que me poderão abraçar em detrimento da natureza e do seu ruído provocante e apaziguador. Não irei permitir que existam rédeas, mas sim confiança. Não irei atender à quantidade de anos que me restam, mas à qualidade desses anos. Não irei esperar, gritar ou pedir. Não irei calcular, suplicar ou julgar. Não irei chorar, rezar ou reclamar. Apenas serei grata quando esse dia chegar. Alimentarei as diferenças quando elas me aproximarem da sanidade mental, proclamarei por um diálogo saudável que tome os contornos de uma linguagem universal, aplicarei as leis básicas da simplicidade e da pequenez humana, elevarei o poder do vento, do sol e da chuva, construirei não apenas um casamento, mas um lar doce e humano que seja um oásis de esperança e ternura. O que tiver de surgir, surgirá. Refiro-me ao amor e não à pessoa apaixonada. Como poderia reduzir o amor a um esqueleto envolto em carne e movido por personalidade? Como poderia o amor ser tão ínfimo como um ser humano? O amor é a premissa mais impactuante, mais pujante, mais inquestionável e menos palpável. Subordinado ao amor está o invisível, porque pessoas morrem e o amor permanece. É ele que brota em todas as almas de qualquer ser vivo sem necessitar de um ensinamento ou de uma passagem de testemunho. Toda a alma aprende a amar sem querer e a grandiosidade desse sentimento reside precisamente no tudo que se gera no meio do nada e, sobretudo, na ausência de um propósito, no facto de sermos aprendizes sem termos tido um mestre, e não sabermos sequer que ao mesmo tempo já o somos. O amor é como um livro aberto em que a premissa da nossa existência é suficiente como argumento. Haverá coisa mais bonita como entendermos que nos basta existir? Haverá algo mais belo do que sermos suficientes num mundo que nos faz crer que nada do que fazemos vale a pena? Sinto que o argumento do amor se resume não a uma espera constante de um príncipe, não à contagem do tempo e da idade ou à culpabilidade do destino, o amor resume-se ao orgulho e carinho por nós mesmos. Se a nossa alma quer usar o nosso corpo como meio para atingir o alvo apaixonado, se nós somos o nosso próprio objeto para alcançar o nosso objetivo, então temos de nutrir amor próprio. Se tivermos uma flecha na mão e quisermos acertar no alvo e se acreditarmos no fracasso dessa flecha certamente que o nosso nervosismo vencerá e nunca acertaremos no alvo. A mesma coisa acontece com os cupidos da vida, onde a nossa baixa auto-estima nos quebra as leis de ação reação e nos faz gerar uma tremura emocional que não nos permite ter a firmeza para suportar uma relação. Acredita na pontaria da tua flecha que reflete a tua ambição certeira e desmedida. Antes de quereres fazer a diferença na vida de alguém terás de fazer diferença na tua vida. Nutre o amor por ti mesmo.

Comentários

Zaask

Escritora e Fotógrafa