Conspirações sobre amor e relações

Amor como crónica era algo que não esperava que tomasse espaço aqui no blogue, mas a verdade é que é um dos assuntos mais eminentes e com que mais me tenho confrontado em vidas paralelas à minha. Não irei mencionar frases clichés sobre o amor e escusado será dizer que o maior dos clichés é quando dizem que os apaixonados não conseguem explicar o amor e que quem o explica é porque não está apaixonado. Tretas. As pessoas não explicam o que é o amor porque simplesmente não sabem aquilo que lhe serve de pilar e, na verdade, nem sequer tentam explicar porque a partir do primeiro mês de namoro adotam a ideia de que já não precisam de conquistar a pessoa. As pessoas não são bens de consumo e qualquer ser humano vale muito mais do que o preço barato com que o comprámos com a sedução dos primeiros encontros. Às vezes passam anos, admitem-se falhas e traições, alimentam-se sofrimentos e arrependimentos, e só depois de cruéis separações é que percebem que "compraram" aquela pessoa em saldos e que, na verdade, ela valia muito mais do que aquilo que demos por ela. Esse é o primeiro problema que aqui retrato: reconhecer tarde de mais o valor das pessoas. Lutar hoje, aqui e agora, é um dos grandes lemas de uma relação. Admirar a pessoa todos os dias, oferecer pequenos gestos de dedicação e estar grato pela sorte de a ter, são tudo fortes premissas no argumento do amor. E no cerne desta falta de reconhecimento existe o orgulho. É ele que paira no ar quando não enviamos uma mensagem e ficamos repletos de rascunhos no telemóvel e na mente, quando estão ambos online nas redes sociais e na vida e se ignoram porque acham que deve ser a outra pessoa a ligar ou a acenar, tudo obstáculos criados pelas pessoas. Geramos problemas que não existem quando a própria tecnologia nos facilita o ato virtual de "dar a cara". Deixem-se disso e falem quando o vosso coração pede. Aí está outro dos principais problemas: o cansaço da rotina e a falta de iniciativa. Um gesto de carinho vem sempre a tempo e atrai sucessivos gestos de carinho, onde poderá desenrolar-se muita reciprocidade e continuidade pelo pequeno e simples facto de alguém ter tomado iniciativa. São essas lufadas de amor que faltam e que, quando ausentes, levam à monotonia da relação. Outro entrave ao amor: a falta de capacidade em se acolher uma pessoa por inteiro, deixando de amar os defeitos do outro. Noto que as pessoas não estão preparadas para acolher os defeitos dos outros, para abraçar uma pessoa que nem sempre vai acordar sorridente, não estão preparados para ter mente aberta e aceitar uma viagem que não planeavam ou ir ver um filme que não gostem, para se moldarem ao estado de espírito da outra pessoa e ter sensibilidade emocional, não estão preparados para aceitar grandes desafios como casarem, apresentarem os seus pais ou simplesmente praticarem um desporto que nenhum aprecie, para fazerem coisas únicas e aventureiras às escondidas e em segredo de toda a gente, não estão preparados para aguentar a distância e entender que são os sentimentos que movem a felicidade e não as estradas que os separam, para surpreender com uma refeição quente numa manhã de inverno ou uma flor vinda do nada, não estão preparados para sorrir e festejar juntos mas, principalmente, não estão preparados para chorar, rezar e suplicar juntos, para dar as mãos com força e partilhar a sua fé e o seu amor pela vida. Chega-se à conclusão de que se procuram pessoas perfeitas. Umbigos egocêntricos e imperfeitos procuram intensivamente a beleza exterior até que se fartam e entendem que o interior também poderá ser importante ter em conta, esquecendo-se de que aquilo que exigem já está a ser mais do que aquilo que merecem, esquecendo-se principalmente da sua própria beleza, por tanto se cansarem de procurar esse atributo nos outros. Acontece que essas pessoas estão a nutrir mais a beleza dos outros do que a sua e isso potencia o afastamento entre duas pessoas, porque passamos a ter uma beleza idolatrada e estereotipada em contraste com a nossa própria beleza, que é nula, porque a maior beleza não é a que existe nos elogios, é aquela que nós acreditamos ser real. E assim surge uma outra preocupação: a falta de amor próprio. Ama-te a ti primeiro para depois amares os outros. Eu sei que não queria cometer o erro de referir clichés, mas como poderemos aceitar menos do que aquilo que merecemos? Essencialmente pela baixa auto-estima e uma maturidade também pouco aguçada. Auto-estima e maturidade, juntas, oferecem-nos a racionalidade de que precisamos, para que nos distanciemos de um problema e o passemos a interpretar de forma imparcial, sem admitir que somos nós os protagonistas da história. Com o tempo percebi que não se trata de inteligência, porque muitas vezes nos chamamos de burros e de cegos e temos a total sobriedade em afirmar que estamos a rastajer ou agir de maneira errada ou contra os nossos princípios. Trata-se totalmente da nossa confiança, do nosso ego, do valor que damos a nós próprios, porque sem auto-estima não saberemos domesticar o amor, é como tentar interpretar um texto sem ter aprendido a ler. A maturidade é, também, importante, mas por ela não se luta, ela simplesmente vai-se conquistando com o peso dos anos e da experiência e, com base em capítulos passados, saberemos melhor aquilo que queremos para nós e aquilo que nos gera aversão, saberemos tomar decisões mais acertadamente, afastarmo-nos de uma pessoa no momento certo e antes de sentirmos que a paixão poderá surgir, é como uma espécie de diagnóstico que oferecemos a nós mesmos e com base em prognósticos passados sabemos qual a melhor decisão a tomar. Outro problema que vejo por aí: o de depositar fielmente e ingenuamente a nossa felicidade em mãos alheias. Como se o nosso propósito de vida fosse um pedaço de pão oferecido com um sorriso, enquanto estamos famintos. A verdade é que por mais nobre que seja depositar a nossa felicidade nos outros, é preferível adotar outros atos nobres como ajudar os pobres ou praticar voluntariado. Com a felicidade não se brinca e por isso mesmo ela só pode ser depositada nas mãos de nós próprios, porque somos a única pessoa neste mundo que sabemos com toda a certeza que não nos quer mal. Somos os únicos com o direito de tratar a nossa felicidade como uma marioneta. Tudo bem, é uma espécie de auto-defesa, mas será assim tão mau vivermos com esse escudo? Podemos logicamente partilhar grande parte da nossa felicidade e quando o amor é real é claro que ela também está ligada às ações dos outros, mas não podemos depender totalmente dessa pessoa, esse é um dos enormes problemas da sociedade: a dependência. Se por um lado o desprendimento e a frieza é um dos problemas do amor, também o apego excessivo e dependência é uma forte preocupação. Independência é caminhar lado a lado mas focado no seu caminho, significa abdicar pela outra pessoa mas não significa perder o seu rumo ou anular os seus objetivos. A dependência leva a que não consigamos retribuir com indiferença quando nos tratam como tal, mas é preciso recordar que tudo aquilo que seja uma retribuição é porque não começou por nós, e a não reação que nós oferecemos é como um pedido de ajuda, um grito de quem está desejoso para que tudo corra bem. O problema seguinte: falta de sensibilidade. Muitas pessoas não têm essa sensibilidade face aos problemas dos outros e dificilmente interpretam um longo silêncio como sendo uma intensa tristeza. Às vezes temos mesmo de cruzar os braços e esperar que a outra pessoa ganhe essa sensibilidade e aprenda a dar aquilo que sempre recebeu da nossa parte. Mas como a aprendizagem é repulsiva nas pessoas com pouca sensibilidade, talvez o problema não se resolva e o melhor mesmo é expôr os nossos sentimentos antes que a corda rebente. Assumir o interior que tanto nos consome e tanto quer explodir, longe de jogos e subentendidos, porque assim saberemos que a outra pessoa está a reagir face ao que sentimos e não em relação ao que ela achava que sentíamos. E se mesmo com as cartas reveladas o jogo não for vencido, é porque o destino não quis que existisse um vencedor, e nesse caso é momento de seguir em frente. Desculparmo-nos com o destino pode, também, não ser um forte argumento mas a verdade é que no amor, quando se trata de uma recuperação pessoal após algum erro por parte da outra pessoa, eu considero legítimo agarrarmo-nos a esse desconhecido a que chamamos de destino. No fundo, ele é o argumento que nos pode dar algum alento e o qual nos oferece a certeza de que estamos a procurar a nossa felicidade. Que argumento pode ser totalmente refutável quando tem em vista a nossa reabilitação e paz? Outro problema: quando a justificação recai na genética. São aquelas pessoas que se desculpam com a sua forma de ser, de pensar, de estar, e isso são autênticas balelas. Um argumento não pode ser simplesmente do género "porque sim" ou "porque não", como se uma pessoa não fosse capaz de se moldar às situações e aos outros. É só mais uma forma de não admitirem que não sabem lutar por alguém, porque lutar nunca foi sinónimo de se desculpar. Outra grave falha: confundirmos exigências com aquilo que merecemos. Lembremo-nos que tudo aquilo que esperamos dos outros, como carinho e dedicação, não são exigências da nossa parte, são apenas aquilo que merecemos, e quem nos fizer acreditar de que se tratam de exigências, não pode ser alguém que nos mereça. E neste contexto surge outro problema: a não aceitação do final da relação. É uma situação que só nos fará abdicar mais e mais sem nos apercebermos que a outra pessoa não dá sequer um passo em frente, fica-se numa hipnose e nem se questiona sobre o porquê do afastamento entre duas pessoas, quando na verdade às vezes tudo depende de nós e da separação que queremos negar mas que temos de aceitar. É preferível fugir a uma relação intermitente e que nos tira a oportunidade de conhecer novas pessoas e novas portas do que alimentar essa vida fugaz e a que a que nenhum equilíbrio nos poderá levar. Lembremo-nos que o oxigénio que precisamos advém da nossa liberdade e não conseguir aceitar que uma relação acabe, como se se tratasse de uma espécie de loucura, é a maneira mais fácil de perdemos a nossa liberdade e ficarmos presos nessa falta de lucidez. Depois há aquelas pessoas que surgem na nossa vida de pára-quedas e para esses casos o importante é: medir prioridades. Logicamente que a confiança que a pessoa conquista e tudo aquilo que sabe sobre ti tem de ser proporcional à importância que lhe dás e não podemos ter como prioritário alguém que surgiu do nada e quer saber tudo sobre nós. A melhor dica é testar a paciência da pessoa porque é o parâmetro que mais pode vacilar numa pessoa que mal te conheça. Não deixes que se torne excluivo do dia para o dia, dá espaço para que lute e preste provas e se vencer na paciência então aí já haverá possibilidade de seres alguém especial, mas até lá não te sintas especial. Esse é outro erro crasso: sentirmo-nos especiais com pequenas palavras. Primeiro de tudo são as ações que determinam se somos especiais, se te dá a mão, se não tem vergonha das tuas risadas, se a pessoa fica babada a olhar para ti mesmo quando o cabelo está virado do avesso, se ouve as tuas lamúrias mais ridículas, se te gaba em frente aos amigos, tudo aquilo que não vejas a acontecer com outras pessoas. Não aceites um "és linda" de bom grado porque a beleza existe em todas as pessoas, não te prendas a elogios exteriores porque eles fazem de ti uma pessoa generalizável, aprende a apreciar um "és culta" ou um "adoro esse teu tique", coisas que sejam tuas, apenas tuas, e que saibas que a outra pessoa só irá ver isso em ti. Outro problema gigante: enumerar qualidades e defeitos. Um vício de pessoas solteiras é imaginar tudo por tópicos na mente, se corresponde ao que idealizamos em termos de personalidade, de estudos, de vícios, de família, de amigos, de estilo, etc. Catalogar as coisas é o primeiro passo para que não se sinta amor. Daí tantas vezes nos queixarmos de nos apaixonar por pessoas erradas, porque são as pessoas erradas, de quem nós nunca apontámos as virtudes por elas não existirem, por quem o nosso coração se atrai. E o mesmo acontece quando nos afastamos de pessoas que não têm uma dessas virtudes e às vezes nos levam a perder pessoas com enormes potencialidades de viverem connosco um grande amor.  Digo que é um pensamento de solteiros porque a partir do momento que se apaixonam deixam de idealizar uma lista para passar a idealizar a pessoa que gostam e o esteriótipo é completamente invertido, por isso é escusado fazer listas porque contrariamente às listas de compras, nós não iremos encontrar nas prateleiras aquilo que está idealizado. Outro problema: o de apostar tudo numa pessoa ou não apostar nada. Muitas vezes dizemos "esta é a pessoa que quero para mim, é perfeita, vou entregar-me" ou "se falhou uma vez vai falhar mais por isso afasto-me", mas as coisas não têm de ser vistas com esta fatalidade. Uma qualidade ou um erro não definem uma pessoa, mas sim toda a forma de estar, as suas manias, aquilo que valoriza e que tem como prioritário na vida. Acolher ou rejeitar alguém de forma súbita leva-nos a que tratemos novamente as pessoas como bens de consumo descartáveis. Relacionado com este erro está um outro: acharmos que estamos destinados a ficar sozinhos para sempre. Ou porque já nos bateram à porta alguns azares ou porque a pessoa que julgávamos a tal nos desiludiu e achamos que se não for com ela não será com mais ninguém, são tudo motivos que nos levam a vestir a pele de vítimas e a culpar o destino. Não pode ser. Culpa-te a ti! Culpa a outra pessoa! Culpa as circunstâncias! Novas pessoas e histórias implicam novas premissas e esperanças e não há motivos para acreditarmos que tudo vai dar novamente errado, devemos preservar o caráter sonhador em nós mesmos e, ainda assim, termos a plena consciência que se sofrermos novamente já irá ser uma dor menor e mais suportável. No momento em que o teu coração sofrer ele vai lembrar-se "eu já passei por isto e sei como agir". Temos de dar oportunidade a quem surge na nossa vida e não tentar prever desde cedo os danos que essa pessoa poderá causar. E decorrente desse erro, falo-vos finalmente do terrível vício de: ter medo de sofrer. Ter medo de sofrer é por si só sofrer e se o medo nos movesse realmente duvido que alguém saísse de casa. Se não dermos um passo em frente vamos estar constantemente a lidar com esse medo, nessa redoma pouco lúcida em que nada somos para além de vítimas de nós mesmos. Enquanto não ultrapassarmos a linha da coragem e da astúcia vamos sempre idolatrá-las como coisas impossíveis e vamos sempre lembrar-nos do porquê de ainda não as termos alcançado. Ficar parado é ficar a dialogar com o medo, frente a frente, sem abrirmos novas janelas e deixarmos novos raios de luz entrarem na nossa vida.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa