Horizontes de gente




Sabemos tão pouco sobre o mundo. Sobre as pessoas. Apenas ouvimos os seus passos a bater nas calçadas, lemos os seus sentimentos pelo ritmo do seu pestanejar, percebemos o seu medo pela inquietação dos seus dedos, sabemos da sua constipação pelo lenço branco que espreita pelo bolso. Mas isso não chega. Continuamos sem conhecer a pessoa que caminha ao nosso lado na rua, a que nos diz bom dia só porque também dissemos, a que se senta ao nosso lado na sala de aula, a que comenta quando passamos, a que já te viu a chorar e ainda assim não fez nada ou a que sorri para ti e tu nem sabes se a conheces. O conhecimento dos outros é tão repleto de escuridão, tão separado por barreiras infinitas, por sorrisos estanques e atitudes pouco previsíveis. Somos a areia criada por Deus, mas a ilha cavada por nós. Somos ilhas desertas e vãs, inconstantes e sufocantes. Somos metrópoles de vaidades, antros de solidão, somos os resquícios de um lado primórdio e selvagem. Somos feras que sabem sorrir, vultos que escondem sentimentos, somos feitos de vidas descartáveis, de gritos de dor que ninguém ouve, de amarguras desprezadas por quem não as sente, somos feitos de respirações artificiais, de sonhos ilusórios e provas de amor em vão. Estamos constantemente numa busca pelo afável, por um sentimento tal que possa condizer com a felicidade de sonhar em coisas bonitas. Queremos algo sólido e confiável, porque sabemos que é impossível amar quem já amamos, porque a dor que a despedida te causou já te mudou por dentro, já te fez traçar novos caminhos, em busca de novas perspectivas, com uma bagagem completamente diferente. A dor que sentiste talvez seja a dor que faz de ti aquilo que és hoje, é uma dor que levas contigo para toda a vida e que te impede de sentires dores igualmente insuportáveis. No fundo, é essa dor passada a base dos sorrisos do presente. Talvez seja em direção a essa dor ou a uma outra dor qualquer, que caminhamos pelas calçadas e criamos horizontes de gente com corações despedaçados, mas que querem ir ao encontro de novas imunidades, de novos escudos de fortaleza, cujos alicerces são as dores mais dolorosas que aguentaria a força humana. Seria, esta, uma busca pela dor e, acima de tudo, uma busca pelo prazer de cada vez sentir menos essa dor e crescer com cada pedaço de grito e cada pedaço de lágrima. São horizontes de gente manipulados por crueldade, e uma crueldade criada por nós mesmos e pela ilha que nos sustenta. São horizontes incertos e de raras silhuetas, onde muitas ilhas já se afogaram e poucas permanecem, aqui e além, de pé a suster o nada e o vazio que é o amor que recebemos. Somos meros retratos, somos lendas que todos julgam que existem, somos quimeras a latejar nos pilares do mundo, somos uma simples forma de viver, uma singela presença no meio de tantas outras e é por isso mesmo que acabaremos com a forma de um punhado de cinzas.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa