O medo devolve-nos a coragem

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Foi algo sobrenatural que me mudou até ter lucidez suficiente para perceber que juntamente com a criminalidade do ser humano vem sempre a força de Deus. O medo é muito mais do que um micróbio que nos torna imunes. O medo leva-nos ao limite, testa-nos a alma, dá-nos uma capacidade transcendente para enfrentar os problemas. O medo devolve-nos a coragem. Aquela que deixou de existir pelos outros e reacendeu por nós. Aquela que julgávamos morta e enterrada mas que fez sempre parte da essência do guerreiro que habita no nosso corpo. Agora, é estranho ver-me a sorrir. Saber que não precisa de haver alguém de carne e osso para ser o seu motivo, mas sim a própria vida, o nascer do sol todos os dias. Aprendi que o sorriso adotado por nós próprios é o mais genuíno e duradouro. E não existe nenhum homem neste mundo que seja mais prioritário do que nós próprias. Os sacrifícios do passado foram tidos como equívocos, mas será também a aversão que ganhámos às relações um equívoco? Não existem equívocos, especialmente quando acordamos e percebemos que enquanto fomos lixo para os outros somos, agora, reis de nós mesmos. Temos chão para andar, mar para remar e confiança para sorrir. É aí que nos lembramos que os únicos equívocos da vida são os que nós próprios criamos. Porquê que, nós mulheres, nos prendemos ao ecrã em infância a ver a cinderela e os contos de fadas? Porquê? Foi isso que estragou os nossos sonhos, iludiu-nos, criou-nos expectativas ilusórias. Porque existe o raio do beijo que ressuscita? O sacrifício que o príncipe faz pela princesa, quando isso não é real? Nascemos com uma mentira por detrás de todo aquele cenário cor de rosa. Podemos ser felizes, sorridentes, aprender a ler e a escrever muito depressa, mas ninguém examina ou pergunta pela fatia do amor que um dia vai existir e crescer. Aquela semente que os contos infantis depositaram em nós vai desabrochar um dia e vai ser graças a isso que vamos sofrer. É a realidade. Mas não importa se já não vivemos debaixo dos mesmos braços, importa sim que os nossos braços tenham ímpeto para voar e paz para proliferar. A frieza dos homens nasce precisamente da sua infância desprovida de balelas. Eles crescem sem expectativas e são o poço das expectativas das mulheres. Mas nós somos mais fortes do que isso e desilusão após desilusão nós sentimo-nos frias como eles. Infelizmente quando amamos um homem o objetivo é tê-lo e quando o deixamos de amar o objetivo é tornarmo-nos frias como eles. Já pensaram que os objetivos antes e após uma relação convergem nos sacanas dos homens? Sabem qual a melhor terapia? Esquecer. Esquecer o veneno que corroía o meu corpo, esquecer o vício de me ver sofrer, esquecer quem fugiu de nós, quem nos largou as mãos, quem nos fez acreditar à força que a única opção para sobreviver seria ser brutalmente forte e dissimuladamente egoísta. Muitas portas nos surgem na caminhada do sofrimento e é quando se chora do coração que percebemos que o destino tem um leque enorme de opções, porque no fundo qualquer porta aberta é melhor do que o sufoco de estar entre mil portas fechadas. Existe um extremo processo de aprendizagem e é aí que cada lágrima nos dá forças para nos desenlaçarmos do passado e nos oferece a consciência de que precisamos para escolher e acolher um novo rumo. Passamos a ter atitude crítica e percebemos que estamos num processo de viragem, num encontro com a felicidade que outrora existia nos horizontes dos romances. O medo devolve-nos a coragem. Percebemos isso no dia em que aprendemos que nós, raparigas, não somos troféus. Chorámos a ver montras de vestidos de noiva por pensar nos canalhas que teriam de nos acompanhar, chorámos por saber que deixou de existir a pessoa que se importava se tínhamos dormido bem, pela ausência de carinho a que já chamávamos de rotina, chorámos por todas as perguntas das quais nunca houve resposta, chorámos por saber que passámos de prioridade a uma opção que não foi sequer escolhida. E sabes, chorar para nós, mulheres, nunca foi opção. Afinal, que mulher quer esborratar o rímel, perder as forças em frente a multidões, estar num local de festa e suprimir o choro, que mulher gostaria de ser tão invisível? Não foi opção nossa, foi dor. E para eles foi apenas mais uma opção egoísta no meio de tantas outras do seu livro de erros. Talvez esta dor tenha sido também opção de Deus, porque nunca seríamos aquilo que somos, hoje, sem os degraus da loucura, sem a paz fortalecedora de saber que não fomos nós a perder o jogo. Os homens só existem para que sejamos mais fortes!

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Zaask

Escritora e Fotógrafa