Cemitério de lendas



A vida é meramente uma lenda. Uma telepatia a que nos arriscamos a ter para que hajam pretextos para sonhar. Talvez seja tudo uma ilusão e a ilusão assusta-me. Não vivo de forma fervorosa, como se tudo acabasse amanhã, mas sinto uma ligação muito forte à vida e à respiração dos animais, uma ligação muito pura, muito minha. Vivemos cheios de filosofias de vida, de intuições distorcidas que dizemos pertencer ao zodíaco, de papéis nas relações que somos quase forçados a adotar, uma vida em que desistem de nós mas a grande verdade é que são os outros a desistir deles próprios. Vivemos numa sociedade que se impede de ver as estrelas, que caminha sem deixar rasto, que cede às loucuras e à efemeridade da vida! Queremos acalmar as expectativas de tudo o que nos rodeia, é isso que dizem os livros e que repetem os nossos pais, mas viramos sempre as prioridades contra nós... Somos uns tristes submissos! Vivemos debaixo de um teto de lendas que nos contam desde que nos cortam o cordão umbilical. Prometem-nos amor e proteção, reservam-nos refúgios e ilhas de paz, mas depois falam-nos cruelmente da liberdade, o quanto ela se assemelha ao bater das asas dos pássaros e o quão bom é sorrir livremente, viver de forma desapegada e esvoaçante e saber que possuímos apenas o nosso próprio reconhecimento. Não! Basta! Ninguém é livre estando à espera de alguém. Ninguém é livre pensado que a liberdade é uma mera pausa entre a segurança dos braços de outrem. Como se esses braços cansassem e fosse exigida uma paragem no tempo, como se a própria liberdade cansasse por ser considerada uma simples pausa, como se a própria vida cansasse! E de repente, tudo deixara de fazer sentido. Talvez as lendas que nos envolvem façam de nós próprios uma lenda. Como se toda a nossa vida fosse olhada pelo cemitério da floresta lá ao longe e nos aguardasse com mais expectativas do que as que temos em vida. Mas claro, nós queremos ser humanos, queremos mostrar que somos uma raça superior feita de aço, resquícios de ferro e pedaços de fortaleza. Mas não tentemos ser fortes, quando o amor nos exige fraqueza. Sejamos apenas nós próprios. Livres de lendas e longe de cemitérios! Sejamos autênticos a tempo inteiro, egocêntricos de vez em quando, egoístas quando o forem connosco, mas fieis a nós próprios mesmo quando morrermos. É na morte que mais existe fidelidade, porque não existem mais lendas em que acreditar, já não temos nada a perder, a abdicar e a temer. E talvez assim, só assim, não viveríamos num cemitério de lendas, mas morreríamos num cemitério de justos.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa