Crónica: Constança


Sempre me questionei sobre o porquê de ainda não ter investido tempo a escrever crónicas e, sendo a resposta irrelevante, resolvi começar! Peço desculpa que o primeiro tema que me surja seja de violência, mas a verdade é que não se fala de outra coisa.
Nem sei por onde começar, mas sei a cara com que fiquei naqueles 13 minutos de vídeo. Já digeri a situação, é um facto. Bem, primeiro de tudo que idade tinha mesmo a rapariga? Ela é uma criança e apesar de já não estar na idade de brincar com bonecas era definitivamente isso a que ela se devia dedicar. Ela está na idade de olhar para os livros e para o seu futuro enquanto cidadã, está na altura de ganhar juízo, maturidade, respeito próprio e alheio e todos os valores e mais alguns que ela nem sabe que existem! Mas enfim, independentemente dos palmos de altura e das experiências emocionais, ninguém tem o direito de rebaixar assim uma pessoa, um irmão nosso aos olhos de Deus ou uma pessoa de carne e osso, para os ateus. Não foram apenas os atos de violência que me chocaram, mas a altivez e o agrado com que ela o fazia, o facto de se sentir acolhida pela maldade que espalhava, de ter um posto garantido num grupo de amigos por ser má e cruel. E talvez o maior choque de todos: ela não estar consciente da pessoa que se está a tornar. Ela deu água ao rapaz como se fosse a rainha e ele o escravo, como se praticasse aquele ato minimamente genuíno apenas para completar o cenário de escravidão. E quando ela disse que tinha a mão cansada de o bater? Meu Deus! Será que este instinto medieval domina muitas pessoas daquela geração? Rezemos para que não... Ela não é mais que os outros só por ter a barriga à mostra. Um outro choque foi a canalha (é mesmo este o nome) que estava a acompanhar, como se tivessem ido ao cinema e pagassem por um bom e esperado filme, como se fosse normal estarem ali especados sem defender o rapaz, como se o dever deles fosse apenas e somente assistir. Se se tratasse de gente da pesada, metidos em drogas ou com armas, sei lá, eu teria receio, mas uma rapariga que até o vento a deitaria ao chão eu não hesitaria em defendê-lo! Quanto à rapariga dos caracóis, por amor de Deus, pediram-lhe para o bater e ela bateu, mas até que ponto uma pessoa é influenciável? Isto prova muito sobre os jovens de hoje em dia. Viu-se na cara dela que provavelmente nem sabia o porquê de tudo aquilo estar a acontecer e ainda assim ficou do lado dos "fixes", do lado que lhe dá segurança no presente, mas mau génio no futuro. Agora falemos dos culpados e talvez esta seja a parte menos concreta. Claro que os pais estão pouco presentes, têm uma rotina que se resume a uma carreira e tem vias de se estreitar ainda mais. Pouco sobra para os filhos e para os interesses humanos, no fundo, não há espaço para aquilo que se chama de vida. Claro que isso gera instabilidade nos pais, nos filhos e, logo, em todo o ambiente familiar. Eles ficam vulneráveis, chegam à escola e deparam-se com outros colegas igualmente vulneráveis também com pais descuidados, e esta bola de neve construída por vulnerabilidade prova que vencem, não os mais fortes, mas os mais débeis e que mais têm necessidade de se camuflarem e arrastarem consigo reféns, porque quem mais anda sozinho é quem mais personalidade tem. A par disto, a sociedade não ajuda. As tecnologias tiram-lhes tempo para brincar, tempo para respirar, porque saber sacar uma aplicação e não saber brincar com lama não é infância. Nunca foi e nunca será. É um misto de causas que levam a isto e infelizmente acho que só mudando a educação que parte de casa e levando uns açoites de vez em quando nunca fez mal a ninguém. Nunca fez e nunca fará. Eu detesto qualquer tipo de violência, acho que não resolve absolutamente nada, a não ser dar espetáculo e atrair boatos. Para finalizar, acho que todos devíamos deixar a poeira assentar e não alimentar isto constantemente. Se as notícias falam, deixem falar, e é previsível que agora os jornalistas se esfolem por encontrar todos os casos idênticos no país e, provavelmente, vai gerar-se uma aparente onda de violência. Acho escusado baterem no ceguinho e formarem grupos, eventos e petições contra isto. Já sabemos a opinião de todos, inclusive da polícia e dos pais da rapariga, que são as que mais importam e, felizmente, penso que serão tomadas medidas. Digo isto, porque ninguém tem interesse em tornar-se numa Constança nem em atrair maldade. Para quê partirmos para insultos tão maus quando podemos apenas assistir? O que a televisão quer é temas para preencher a hora do telejornal e ficam parados a assistir a um tema prolongado pelo povo e que poderia ser estanque, no fundo ficam como nós a assistir à Constança, pensem nisto.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa