Sala vazia



Ali estava eu, pela primeira vez. Um lugar inóspito, coberto de ecos angustiantes, de catos do deserto imaginários e psicologicamente mortíferos, revestido de pesadelos e benzido a lágrimas... Custa suportar as fronteiras e sentir o peso de quatro ombros em cima dos nossos. O ser humano não foi feito para isto. Sou um vaso feito em cacos, a ser varrido por dentro, e que outrora foi belo e vistoso. Faltam-me as flores, faltas-me tu. Falta-me o carinho que nunca era demais, o abraço que sempre fora a energia vinda de ti e que estava alojada em mim. Sentia-me sozinha e como se todas as correntes elétricas deixassem de ter energia, não para as lâmpadas, mas para o meu coração, para os meus músculos, para a minha alma! Só via à minha frente o vazio quase venenoso e sentia o sufoco do silêncio a lamber-me os poros. Podia afirmar e dizer "sim, fui derrotada", mas preferi lutar e gritar "sim, o amor vale sempre a pena"! E foi por isso que me envolveu toda aquela frieza, porque a coragem de um humano é o alimento dos fantasmas. Podia ter congelado a marca dos teus lábios na caneca em que bebias o leite todas as manhãs, podia ter gravado a tua voz a dizer que me amavas, podia ter roubado tinta só para tu pintares o meu diário com a tua impressão digital, podia ter raptado poetas, músicos e artistas para criarem a sinfonia perfeita, o teatro perfeito, a tela perfeita, o poema que te fizesse acreditar que eu estou aqui para ti, só para ti, e em toda a vida inteira, porque o teu desassossego é o meu sossego em consolar-te, a tua tristeza é a minha alegria em erguer-te a cabeça, as tuas frustrações são as minhas ambições em tornar cada tarde de chuva da tua vida numa rosa vermelha alimentada que te caia nas mãos. E ali estava eu a filosofar e a imaginar os homens a construir aquele lugar, a largar suor em cada tijolo que pegavam, a suspirar pela vida e pelos ponteiros do relógio, a trabalhar afincadamente para que um sítio, apesar de vazio, ficasse sustentado e protegido. E tudo só para o meu sofrimento, tudo só para chegar o momento de chegar à frente daquela porta, outrora desconhecida e invisível, e ela se abrir como uma pena e como se o vento estivesse a favor daquele sentimento injusto! Aquela sala eras tu e o vazio que deixas-te, o ar sedento de ti, o compartimento do meu coração que foi dolorosamente desvendado e que agora se tornou a minha casa, o meu abrigo e aquilo que me liga a ti. E aqueles trabalhadores famintos nunca saberão o porquê de construírem aquelas paredes.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa