Vontade alheia vs vontade própria

Acordei feliz. Talvez na ânsia de encontrar a luz reluzente no fundo do túnel invernal das minhas emoções. Foi como se as minhas pupilas tomassem a silhueta de um sorriso. Senti na pele as dores reais do comodismo, as conjeturas fugazes da rebeldia, as frustrações intermitentes da rotina injusta e ouvi as quimeras a rugir-me no estômago, enquanto baloiçavam as algemas das obrigações nos meus pulsos.
Não sei se é por estar parada no tempo ou isolada de rígidos horários, mas agora percebo que nada me impede de ver o horizonte. O nevoeiro foi-se! Já consigo ver os barcos a atracar, ou cheios de peixe ou de sorrisos viajantes, e a esperança de estar em terra a chegar à margem. Os jardineiros foram-se! Vejo, agora, jardins selvagens que brotam sobre a sua própria liberdade e respiram com a mesma ousadia com que se mostram ao mundo. Também se foram os ruídos dos automóveis, que tanto se mascaravam de consciência e nos exigiam que fôssemos autómatos. O que agora vejo, ou melhor, oiço, são assobios inocentes que não conhecem necessidades morais e que não têm o objetivo de me dar as rédeas da civilização, para que, como escrava de uma sociedade moderna, atenda às normas e siga, inquestionavelmente, os padrões, como a flor da estufa que carrega, durante a vida, um fardo de expectativas por tudo ter de bom e de melhor. Dissiparam-se os pessimismos! Tenho, agora, a capacidade de suportar medos e agarrar-me a todas as minhas fontes de felicidade, para melhor encarar o futuro, mesmo tento em conta obstáculos e limites. E o ceticismo em que mergulhava? Foi-se! E vejo, então, um mundo em movimento que me cativa ou não, mas que me torna ativa no processo de conhecer. Não acordo de manhã só porque sim, não leio um livro somente por obrigação, não saio à rua por frete… O que, finalmente, vejo são as flores a sair dos seus casulos calorosos e a lançarem-se à aventura, os vizinhos a cumprimentarem-se e a provarem um pouco da essência da nossa espécie, as fêmeas a darem à luz e a depositarem humanidade na sua continuidade, as crianças a pularem de telhado em telhado onde as paredes das casas são feitas de sonhos, a ciência a fazer progressos e a remexer as raízes e as lendas do mundo, os anjos de pele clara e faces rosadas a abraçarem-se e Deus satisfeito com a racionalidade dos Homens e a irracionalidade da vida. E assim se rejeita a fobia de viver em carne e osso. É bom saber que depois de uma trovoada poderá seguir-se um dia de sol. Que assim seja a magia da vida ou a balança do estado de espírito.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa