Subtilezas

Era de manhã e as pupilas tinham acabado de se retrair. Tal como ontem, o sol já ia alto. Muitos passos já se tinham dado nas ruas. Muitas decisões já se tinham tomado. O dia já não era uma criança. E pensava cá para mim: que grande lontra sou! Espreitei pela janela com os meus olhos paralelos ao rebordo da mesma, como quem tem medo da civilização.
Não sou alguém que tenha nascido na Grécia por entre templos, ideias ousadas e teorias promissoras. Não sou uma filósofa. Mas a lógica das coisas seduz-me e as dicotomias alimentam-me. E, apesar de limitada pela geometria desta janela, ponho-me a divagar por entre humildes pensamentos, até me perder nos labirintos da razão e do coração. Ou até que leve um abanão da consciência e desça à terra. Mas, por enquanto, debruço-me sobre este cenário deleitoso, onde me ponho a dissecar ações e pensamentos preliminares. Fico a imaginar o quão trabalhoso deve ter sido pintar aquelas riscas brancas da estrada, a observar em como o grupo de crianças ao fundo da rua se tornou numa ilha de júbilo por entre preconceitos humanos, a pensar se o empresário do ramo de flores o vai entregar a alguém que realmente ama. Pergunto-me porque as pessoas se desviam do sol, sendo provavelmente a coisa mais genuína das suas vidas. Porque somos uma espécie bípede, se isso só nos tornou mais imponentes e fanfarrões, alardeando valentias próprias. Porque não dizemos bom dia às pessoas, se sentimos os nossos pulsos a bater. E ponho-me a conspirar sobre os pensamentos atarefados das pessoas. O que irão fazer a seguir? Qual será o seu destino? Onde irão almoçar? Ou será que amanhã estarão noutro país? E lá continuo absorta aos meus afazeres, descortinando o singelo e repelindo formalidades.
Esta sou eu. Uma fiel sonhadora, inimiga de utopias e amante dos porquês.

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Zaask

Escritora e Fotógrafa